sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"Sabes que encontrei graça em teus olhos."

Queria que meus votos da mais pura felicidade, do mais sincero sorriso dançassem em volta de ti. Mas tuas lágrimas embaçam tua visão. Te impedem cruelmente de ver a grandiosidade de teu amor.
As palavras duras que vem de fora ferem tua força, eu sei. Mas por favor, te imploro que não esqueças do que carregas em teu olhar, em teus atos, em teus semblante. Que não te percas em nenhuma lamúria desnecessária, que não acredites no que o pessimismo te dita.
Meu doce amor, que te envolvas em teus sorrisos, que te surpreendas na tua grandiosidade, que te encontres em teus passos.
Sabes que nosso querido mestre não nos prometeu facilidade em segui-Lo, vontade plena, força a todo instante, sorrisos sem lágrimas, verdades sempre consoladoras. Mas sabes também, que Ele nos deu a mais plena certeza, de que se fossemos humildes, fortes o suficiente para buscá-Lo em nossos dias, em nossas vontades e em nosso amor, nossos passos não seriam guiados pelo tempo, mas pelo amor que Ele nos destinou. Prometeu-nos que se buscássemos ao menos segurar com força nossos valores, nossas verdades, ninguém seria capaz de tirá-los de nossas mãos, ainda que elas estivessem cansadas.
Ele deu-nos a certeza de que nos basta a crença, o amor, a esperança, nossos joelhos dobrados e nossas vozes unidas em um belo cântico.  

“ Que a lógica ceda pra mágica seu turbilhão”

Minha bela criatura, desperta!
Não crie barreiras intransponíveis nas clareiras que percorres. Não te tortures por tão pouco. Não permitas que dúvidas fúteis e meias verdades plenas apaguem a plenitude do que vives.
Não és um ser humano comum, nenhum de nós é.
Somos filhos de pais heróis, filhos de países decadentes, filhos de tradições infundadas, de etiquetas estúpidas, e aqui estamos.
Sobrevivemos a catástrofes, a dor, ao caos, a sentimentos mais perigosos do que desastres naturais e aqui estamos!
Por favor, não temas as respostas concretas demais, elas somem fácil. Mas busques tua vida no que tu não és capaz de tocar, porque quando conseguires tocar o que te inspira, terás a certeza de que buscaste com todo teu ser. 



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Ao meu amigo tempo

"Deste-me teu coração." 
Emprestaste-me teu coração. Regaste meu jardim. Serviste-me de tinta, de papel, de história.
Foste gentil quando pudeste, quando a felicidade te deu o ar de sua graça. Fizeste-me um pouco maior em tamanho, em força, em dias.
Mas em algum momento, a sutileza te foi tirada. Teus doces sorrisos tornaram-se duras palavras. Não sei por onde andavas quando eu por ti clamava. Amaldiçoei até mesmo tua capacidade de tudo reparar. E então apareceste de novo. Com as mãos em frangalhos, explicando que tua tentativa de juntar todos os pedaços das coisas que joguei longe em meus acessos de alegria ou tristeza, foi vã.
Com um sorriso simples, sincero, e morno disseste que não querias ter pulado para tão longe, não querias ter te ausentado, ter desaparecido. Mas o que pudeste fazer se meus olhos fecharam-se sem nem mesmo uma gota de sono?
De qualquer forma, peço-te humildemente perdão. Por todos os votos vãos, todos os dias escorregadios, todas as palavras que não saíram. Peço-te que me carregues no teu colo por algum espaço de dias, até eu agüentar o equilíbrio que agora me dás, até eu me acostumar com o aroma das novas flores que plantaste. Até eu ser forte o suficiente para te agradecer por tudo. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Diante de quem tu és o quê?"

Meu amor tinha gana de cantar o sol.
Pedia com reverência uma oportunidade para se sacrificar. Não precisava ser por muito, mas precisava ser.
Era egoísta. Queria tudo o que sentia.
Buscava sem descanso nos mais variados lugares as respostas que lhe cantavam. Não achou nenhuma, percebeu então que todos mentiam.
Foi necessário um grande esforço para perceber que os pensantes que lhe contavam histórias não eram cruéis a ponto de lhe mentir em sua inocência, apenas acreditavam no que pregavam.
Eles precisavam acreditar, afinal, também não sabiam.
Depois de muito tempo, meu amor parou de persegui-lhe. Percebeu que o tempo é escorregadio, só é manso quando livre.
Ele era o início e o fim. Não tinha meio. Todo o inicio e fim é meio, é presente, é vivido e só depois, ou antes, visto como passado ou presente.
Meu amor então passou a buscar o fundo. Do poço, da palavra, do sentimento, do paladar, do som, da alma. Ele buscou até acabar com suas últimas forças reforçadas pela vontade. Mais uma vez, só depois - ou durante, depende de onde se esta -, percebeu que tinha o que queria, achou mais perguntas, estava insaciado, queria cada vez mais, mas seu nome trocara.
Qual era seu nome agora? Segredo? Vontade? Grandiosidade?
Pra ser sincera eu não sei, e creio que nem ele sabia, mas o choque de se perder foi grande o suficiente para que mudasse de rumo, de tática. Virou novamente o amor puro, a vontade de doar de olhos fechados, a capacidade de não disciplinar sua pureza, sua grandiosidade.
Conversamos e ele me contou que nada havia mudado. Na verdade, ele habitava o mesmo lugar, habitou todo o tempo em que esteve distante. Não precisava estar em apenas um lugar, podia ser o mesmo onde quer que estivesse. Bastava estar, ter lugar para dançar e criar, ter lugar para sua grande vontade, seu grande espaço.
Disse-lhe que senti medo de que não mais voltasse, de que não mais fosse meu, de que seu nome não mais voltasse a ser o mesmo. Ele riu. Disse que também foi assolado por esses fantasmas, mas sabia que eu era sua cabana, que independente de qualquer chuva assustadora demais, de qualquer sol forte demais, de qualquer dragão simpático demais, de qualquer lua que flertasse demais, independente de quem eu fosse ou quisesse ser, ele teria lugar em mim.
Eu agradeci mais uma vez por tudo. Ele disse que agradecer a si mesmo é besteira, sabemos o tamanho de nossos esforços e dos céus que nos habitam.

domingo, 11 de dezembro de 2011

"Em quem me comprazo"

Sabes que pedir desculpas é algo complicado para nós.
Ambas sabemos que às vezes o orgulho é mais fácil de alimentar-nos que a felicidade de fazer-nos humildes. Assim, não vou pedir desculpas por minhas falhas, por meus erros impensados ou por minhas ações pouco convincentes; vou te agradecer, por tudo que sempre me deste e que ainda me dás.
Te agradeço por todos os centavos que eu talvez não possa devolver.
Te agradeço por todos os gritos e as explicações de que quem ama briga.
Te agradeço pela força com que me seguras até hoje, não mais no colo, mas nas costas, nos olhos, no coração, em todo o teu ser.
Te agradeço por todas as pazes que já foram proclamadas, por todos os desenhos tortos que te faziam sorrir e que com carinho recebias.
Te agradeço pela incapacidade de entender o amor que sentes por mim, isso mostra-me quão incondicional ele é.
Te agradeço por todos os princípios que me passaste, as vezes sem dar-me liberdade para acolhê-los, mas sabendo que eu os receberia de bom grado, já que tu os possuía.
Obrigada pelos pedaços teus que carrego em mim, não digo que sou repleta deles porque me deste a opção de escolhê-los e me deste espaço para preencher-me com os meus.
Obrigada por ensinar-me a falar da forma correta, a ouvir da forma correta, e a dizer o que há por dentro de mim.
Obrigada pelas festas, pelos bolos, pelas lágrimas, pelo carinho, pelas brigas que foram apaziguadas pelo amor, por me fazer ver que meus medos não são maiores que eu.
Obrigada pela vida que me deste, e que aos poucos, muito “poucos” estás entregando em minhas mãos.
Simplesmente, obrigada. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

"Por quão importuno o sussurro pareça."

"Que tua vontade não caiba numa peça.
Que nenhum passo te seja firme o suficiente para não buscares o seguinte.
Que clareie dentro de ti o dia, e que a noite não te seja inimiga.
Que namores a lua como a rua que se estende perante ela.
Que busques com fervor teus dias.
Que ouças com reverência o silêncio de uma cidade adormecida, e que com eloqüência cantes teu hino.
Que não busques teu ser no viver de teus semelhantes.
Que não busques na bola de cristal teu futuro, mas que convenças o destino a te ouvir.
Que saibas mais amar do que querer, que saibas mais doar do que respirar.
Que tenhas em teus olhos o segredo que buscas.
Que não te percas nos cantos alheios, mas que em cada beco dentro de ti encontres um pouco de ar."

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

73 ou 37?

Quem diria que há alguns passos do precipício, a lógica, envolta por belos sorrisos me envolveria por inteiro?
Quem diria que em algum momento eu entenderia algo, e que as respostas seriam mais atraentes do que as perguntas?
Quem saberia que em um dado momento a luz iria envolver meu âmago de tal forma?
Quem diria que eu teria esperado por isso a cada desesperado soluço, a cada letra que era por mim pronunciada?

domingo, 27 de novembro de 2011

Apoteótico

"De cabeça baixa e mãos atadas, recuso-me a aceitar as esmolas que me dás.
Não me servem de nada se não vieres junto.
Eu sinceramente quis teu nome estampado em meu rosto.
Quis que em teu toca-discos minhas melodias se desenrolassem.
Quis que em teu sorriso meu dia nascesse.
Quis tão pouco e nem isso pudeste me dar.
Quis com tamanha humildade, e com teu esplendor sufocaste a beleza de minhas palavras.
Fizeste-me uma simples rosa em um jardim morto.
Perdi minha cor, meu aroma, perdi e perdi querendo ganhar.
Que os céus que eu tanto evoquei me perdoem, e entendam enfim:
Eu não queria tua vida inteira.
Eu só queria alguns cantos, algumas fagulhas, centelhas... Só queria um pedaço que se encaixasse no meu vazio.
Tomaste de mim até a dor que me inspirava.
Agora, nada tenho."


sábado, 26 de novembro de 2011

Meu moinho

Que o futuro, o sentimento, a dúvida,  a força, a confusão que me embala... Que eles misericordiosamente me perdoem. 

Virei meu rosto com a sutileza de teu tapa.
Teu sorriso em meu rosto refletiu-se.
Então por que diabos tua doce presença não me torna mais leve perante tua ausência?
Quis apenas o doce de teus olhos desfrutar, mas o temor de que no fim o doce fosse o mais amargo fel, impediu teus olhos de procurarem os meus. Assim, senti-me mais forte perante uma vontade que eu mesma desconhecia, mas dentro de mim, algo se formava; um nó talvez. 
Dentro de mim, algo se retorcia, como minhas mãos, que nervosamente brincavam com puro cristal que não admiras.
Vi em meu rosto, estampado o semblante das poesias que me deste, eram doces, difíceis, dolorosas para um ser tão confuso como o que habita meu corpo. 

"Queria ser tua poesia.
Tua doce maresia
Fazer de ti meu dia
E à noite, descansar sobre teu sono meu pesar."


domingo, 13 de novembro de 2011

Roubaram o martelo de Thor.

A tua sanidade repleta de pesares contrasta com a felicidade que carrega nos olhos. Tua calma, doce e leve irrita tuas mãos, fazendo com que elas tremam de uma forma quase despercebida. Tua gaita grita e tua voz chora. Tuas palavras são claras: não queres quem te afague a cabeça ou quem te cubra antes de dormir. Lembras com amargura dos teus dias passados, já desististe de descobrir pra onde eles vão?  
Sentes o sangue dos antigos correndo em tuas veias e a nostalgia te abraça, te envolve e te espreme, até que de ti saiam algumas lágrimas, tão raras quando a água no sertão em que teu espírito vive. Te cortas e nada sentes, te curas e nenhuma gratidão é capaz de te tocar. És um visionário incompreendido, és como os sábios que morreram sozinhos.
Reforça teus pés, fecha tuas mãos e sente a chuva que te molha. Levanta! Vai, quebra os muros que te cercam, derruba as estátuas que não admiras, cospe na corrupção que corrói, grita tua dor e tua mente. Te liberta antes que te engulam! 

Kriptônia.

Com tua doce brisa me sopraste a vida, me sopraste o som, a cor, o paladar. Com teu sopro ao meu ouvido, eu pela primeira vez falei, senti, ouvi. Com tua voraz vontade, me deste um pouco mais do que quer que fosse, mas me deste, me doaste, me tiraste. Quando tua presença foi substituída pelo teu silêncio, a tua brisa virou ventania, a cor foi desbotando. Não havia mais vento nenhum, só um calor sufocante. Não sei onde, quando e nem em que olhos voltei a respirar.
 Não sei em que parede joguei minha vontade, em que vaso minhas flores foram plantadas com mais intensidade, em que terra houve fertilidade suficiente para que eu criasse raízes.
Questionei o tempo, o ar, o céu e a água. Cuspi na lógica, chorei por ela e pisei nas palavras desnecessárias. Brinquei ao lado dos leões, dancei em meio ao tornado, cantei desafinado, juntei minha voz no eloqüente hino por liberdade. Mas precisei ponderar alguns passos dados, precisei voltar alguns centímetros, alguns metros, alguns dias, alguns cantos. Precisei me achar de novo, me livrar da tua luz, para que a minha voltasse a ofuscar meus medos.
Enfim, vieste, me deste, me quebraste e sufocaste. És grande demais, sozinho demais. Forte como um dragão, suave como uma das penas que hoje carrego.
Não direi-te mais nada por agora, minhas últimas palavras morreram à beira-mar, foram arrancadas a força pela escolha que não tive. 




segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Nuumita.

Já não me bastava mais o amor sem sacrifício, o doce sem seu contraste, a gaita sem o blues. Não me servia mais a abundância. Não me servia o poder, a sabedoria se eu não pudesse usá-los. Não me servia a roupa se eu não pudesse rasgá-la. Não me serviam as mãos se nelas houvesse algo, não me servia a mente se dela nada saísse. Não me serve a lógica se com ela vier a resposta. Não me serve a cor se dela nascer a moda.
Preciso de menos pra chegar no maior, num plano diferente. Não me basta vibrar na mesma freqüência e nem amar com a mesma reverência. Teu louvor é vão, tua expressão é fria e tua vontade é vã. 

"Teu caminho teus pés cantarão e tua boca o luar iluminará, teu coração, o sol pra sempre será."


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Qualquer coisa que se sinta.

Eu recolho minhas palavras do chão e minhas cores das paredes. Fecho meus livros, e silencio minha música. Apago minha arte, sufoco meus soluços. Maquio minha vontade a alegro teu semblante. Tiro o pó, lavo as roupas, para que delas saiam o meu perfume. Deixo os vidros brilhando, alimento os teus peixes e molho tuas plantas, viro teu cristal pro sol, e escancaro a janela. 
Não sei se isso vai ajudar, não sei se vai fazer mais sentido do que faz agora, e sinceramente, creio que não esperas um sentido, um plano de voo. Esperas, e esse é o problema, não sabes o que e nem como esperar. Então, enches teu tempo com idéias compradas, com vontades banais e palavras mal escritas. Finda teu dia maldizendo o seguinte, começa teu dia meditando o sol. Escarra nas respostas e grita por liberdade. Escreve, canta, dança e ri, mas por dentro estás seco, vazio.  
Termina um livro, começa o teu. Ouve uma música inteira e espera ansiosamente pela próxima. Limpa uma peça de cada vez, movimenta um peão de vez em quando. Olha o sol sem esquecer teu amor por ele, agradece pela comida que te mantém em pé, e compartilha a vida que tens em mãos. Abre teus braços e aceita o que te for necessário, não seja fraco a ponto de pensar que o que quer que venha, não é bom o suficiente. Ergue tua cabeça, só assim poderás ver o horizonte que se estende alegre diante de ti. É melhor olhar para frente. “É melhor olhar para cima.” 

"Socorro alguma alma mesmo que penada, me entregue suas penas, já não sinto amor nem dor, já não sinto nada. 
Socorro, alguém me dê um coração, que esse já não bate nem apanha. Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa que se sinta. Em tantos sentimentos, deve ter algum que sirva."

Suas crianças derrubando reis.

Vomitas tua vontade sobre minha mesa, tu cospes tuas palavras no meu rosto e esperas que o vermelho não seja a minha cor? Que meu som não seja estridente? Pregas o amor a ti, mas não amas teus condescendentes, julgas sem piedade e esconde teu rosto quando a culpada és tu!  Tuas ruas são escuras e tua música é bonita, sedutora; mas de que nos serve? O que nos diz além do teu desejo de que consumamos nossas vidas contigo? Escolhes os mais fracos, os mais novos neste mundo, e fazes deles cruéis como tu, indiferentes como teu espírito de porco. Julgas indigno aquele que não dá a vida por ti, mas matas o que confia no teu poder. Que tipo de heroína és tu? Enquanto teus filhos morrem em meio a lama, lavas tuas mãos sucessivas vezes, esperando não manchá-las com tua crueldade, tua corrupção. Enquanto teus filhos dormem sobre finos papéis, teus pés dançam no mais glorioso salão, abominando o chão sujo que proporcionas aos que não têm a honra de subir ao teu palácio. Te alimentas da esperança dos teus filhos, e depois, joga-os para o alto, esperando que a queda seja grande o suficiente para que te temam com mais humildade. Transformas a fome dos teus filhos em paradoxos, em meros devaneios. Mas muitos de nós sobrevivemos a ti, sobrevivemos a tua fome, sobrevivemos ao teu poder e qualquer outra coisa que fores capaz de nos impor, de tentar nos fazer engolir. 


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dê-me seu amor que dele não preciso.

É na boca vermelha que teu sangue corre mais quente e mais depressa. É na dança cigana que tua alma ganha asas. É no riso escandaloso que tua vontade corrói. É na vontade que teus filhos nascem, na verdade que teus grilhões se erguem. É no escuro que enxergas melhor, é na sombra de quem foi que vives. É no âmago que te servem teu alimento, nos corações que cravas tua bandeira. 
És cruel com os fracos e resoluto com os fortes. És doce com os que te concedem um espaço em si e majestoso com aqueles que te buscam. Tua glória é tão terrena quanto tuas vontades. Teu egoísmo excede tuas barreiras, tua palavra é estridente como o ruído da porta batendo atrás de ti. És uma montanha, uma vontade, um segredo, és palavras, som e toque. És um nada repleto de possibilidades, um desejo repleto de pesares. Preenches o vazio com tua escuridão tão densa, alivias o peso daquilo que é destinado a ensinar, és rápido em dar e ávido em disparar teus tapas. Cantas o universo, a vontade, a música, o corpo, cantas a vida, aquela que dizes pertencer apenas aos audaciosos, aquela que te alimenta. Tua sobriedade é falsa, tua sanidade flerta com a lua.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Não se apaga o fogo com fogo na mão.

Por que preferes sussurrar tuas palavras ao vento? Não sabes que ele não te ouve? Meu bem, não sejas tolo a ponto de pensar que só porque queres, as coisas pousaram diante de ti, com lindas asas brancas. Tua vontade dita teu rumo, tua respiração não condiz com teus olhos, que tem as pupilas cada vez mais dilatadas.  Mordes teus lábios como se fossem a mais apetitosa fruta. Serras teus olhos como se assim, com a visão turva as coisas fizessem mais sentido. Desiste. Não terás certeza de nada daqui pra frente. A porta que abriste lá atrás com tanta força, não se abrirá novamente. O pote que com tanta sede secaste se encherá sucessivamente daqui pra frente, mas isso não te saciará, não até perderes totalmente teu controle. Então, saboreia cada som, cada letra e imagem nítida, serão poucas no futuro meu querido. Querias conhecer teu extremo? Agora tenhas no mínimo um pouco de força. Ele é mais pesado do que esperavas? Te empresto minha mãos. Queres voltar? Te empresto meus pés. Queres seguir? Te desejo coragem, conhecer a si mesmo pode ser grandioso demais, conhecer o que busca pode ser perigoso demais.


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Doce mel, doce fel, doce vício.

O medo de não mais te ouvir me ensurdece por vezes meu querido. Me cega, e deixa minha razão muda. Conheces o tamanhão da tua crueldade quando me deixas sozinha perante o espelho? Sabes tu que sem ti meus dias são vazios e minhas palavras não tem um pingo da minha essência? Sem teu delicioso fluxo de devaneios, minha boca seca, meus dedos emagrecem, tornando-se finas e grosseiras varetas inúteis!
Para onde vais quando me largas com os cabelos despenteados e a mente distante? Onde se instala o tempo quando te manténs distante? Não entendo por que me punes com tamanho prazer, mas que posso eu fazer? Fizeste-me uma mera serviçal perante teus tão queridos ditos. Que pode meu espírito suportar quando estas distante? Nada! Torno-me frágil como um cristal, mas opaca e confusa como o vidro da janela que embaça com minha respiração. Permaneço te esperando, descabelando-me e torturando-me; deliciando-me com a doce perspectiva do momento em que me darás a honra de tocar tuas palavras, e ter de voltar minha sanidade em seu estado original.
E então quando entras efusivamente porta adentro, ditando-me tua vontade, meus paradoxos tornam-se claros e doces, como o mel das abelhas que tanto me atormentaram durante tua ausência. Não ouço mais o seu zumbido, mas ouço teus ferozes sentidos meu querido. E finalmente, terminamos, eu sentada no chão, com inúmeras folhas espalhadas pelos tapetes que teci enquanto estava distante. Sim, eu com certa petulância imitei Penélope, mas minha esperança era mais desbotada do que aquela que lhe mantinha viva.
 Meus dedos já cansados repousam em minha nuca, meus olhos já molhados de tamanha emoção pousam no branco rabiscado que tenho em mãos. Meu espírito saciado e agora calmo, volta a ser meu.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

No mais, estou indo embora baby.

Sentei-me diante de ti. Meus poros abriram-se para a tua cor, para o que dizias e como dizias. O sol emprestava-me seu calor com delicadeza. Tua voz emprestava-me um pouco de vida, que me vinha faltando ultimamente.
Meu espírito subiu ao zepelim que se erguia leve no céu, leve como o peso das palavras que eu carregava já com certa dificuldade. Eram tantas perguntas sem resposta e sem quem me respondesse, além dos tapas que eu sucessivamente levava das escolhas que fazia. Decidi não voltar para o conforto do meu teto até descobrir o que faltava e o que sobrava. Eu não tinha vontade de acender nem apagar nada, apenas conseguir a luz necessária para iluminar minhas pequenas certezas, meu pequeno campo de batalhas. E enquanto dizias o que pensavas com uma melodia inconfundível, me ajudavas; não a achar minhas respostas, mas a querê-las cada vez mais, a sentir seu aroma, como eu sentia o do azeite que temperava tua voz. Ansiei por alguns segundos te dizer o que queria, te perguntar se podias me doar um pouco de ti, o quanto quisesses e pudesses; mas guardei minha ânsia no lugar mais aberto e escondido que achei dentro de mim. Seria fácil demais colocar meus nós diante de ti e esperar que fizesses deles linhas, delicadas e livres.
Meus olhos encheram-se de lágrimas, meu coração ocupou todo espaço que lhe era concedido dentro do meu peito. Eu estava feliz apesar de tudo, apesar de todas as nuvens e todo cinza que vinham me sendo imposto. O sol de repente atravessou meus olhos e instalou-se dentro de mim, iluminou meus anseios e duvidas, meus dragões e anjos, mostrou-me que as respostas viriam, através de ti ou de quem eu me dispusesse a permitir entrar. As lágrimas escorreram e tu, com teu singelo olhar me consolaste, com tua estranha melodia pediu-me para ser mais feliz, para aceitar a paz como ela deseja vir, e não como eu desejo tê-la. 


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Matilda

Aprecia tua juventude minha doce alma. Aproveita o tempo. Ainda não foste envenenada pelo rancor e amargura alheia. És jovem como um dia fui. És bela como a história que carrego para todos os lados, buscando olhos que queiram vê-la e ouvidos dispostos a ouvi-la.
Mas o que és afinal? És tanto sendo assim tão pequena. És a demasia envolta pela suavidade. És grande dentro da tua fragilidade, forte dentro da tua delicadeza. És bonita dentro do teu choro.
Minha pura criança, acalma teu espírito e alegra teu semblante, sorri com teus olhos e fala com teus atos. Alimenta-te de toda arte possível, de todo amor que te for concedido, de toda felicidade que puderes carregar em tuas pequeninas mãozinhas. Virão tempos difíceis, mas neles, não culpe teu semelhante ou o mundo por não te pertencer, não culpe, por que demorarás a entender que tens o que queres, és o que fazes, respiras o que colocas pra fora.

" A fragilidade do cristal não é fraqueza, mas pureza."

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Plumpi Strumpi

Quero ser tua casa. Que tu habites em mim como eu na tua arte.  Quero que te percas em mim, não no “mim concreto”, mas no “mim surreal”. Que me faças tua cabana na noite de chuva, e teu sol em dias sem cor. Que minha voz seja teu despertador. Que meus dedos sejam teu relógio . Que substituas tua última gota de técnica pela minha paixão. Que esperes o pôr do sol como esperas um ecplise lunar. Que meu batom fique na tua boca e meus olhos fixos nos teus. Que tuas histórias tomem vida na minha voz. 

domingo, 18 de setembro de 2011

O âmbar que te escorre pelos olhos

Por que te ajoelhas perante mim doce criança? Sabes que não tenho a respostas que tanto desejas. Sabes que as coisas se vão, seja aos poucos ou rápido demais.
As coisas que tenho a te dizer, talvez não sejam as melhores neste momento, talvez pareçam duras. Ainda assim queres ouvir?  Tudo bem.
Sabes que as coisas – pessoas; morrem, elas não tem o dever de viverem aqui, em terra firme ou em carne e osso por nossa simples vontade disso. Mas digo-te uma coisa, ou melhor, desejo-te uma coisa, desejo que morras enquanto estiveres vivendo, que moras quando teus órgãos falharem e não quando teu amor acabar ou teu espírito estiver gasto demais. Não permita que te façam exaurir enquanto estiveres caída, não te permita estagnar quando não tiveres para onde ir. Minha querida, não te permita, nem por um segundo acreditar que és fraca demais, ou forte demais, nunca és nem de mais nem de menos, busca um equilíbrio, para que possas respirar sem sufocar e sem que te falte ar. E viva, ainda que teus pés se neguem a caminhar, ainda que tua vida pareça escorrer, ainda que teus olhos implorem para que dê-lhes um pouco de descanso. Não desfalece, usa tuas lágrimas para matar tua sede e teus sorrisos como cabana, que eles te protejam das ventanias deste imenso deserto, que te lembrem o que desejas. Escolhe o morro mais alto e finca tua bandeira lá, ainda que nela não exista nada ou muito pouco, será tua, assim como teu esforço para subir até lá.
Minha querida, não sofras pelo que se vai, perdemos muito durante a vida, mas melhor é perder o que se teve, do que chorar pelo que não se pôde chamar de seu.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Três nós, três pedidos.

Não sei onde teus pés pisaram. Em que bocas teu batom ficou manchado. Em que beco perdeste um pouco de ti. Em que cigarro morreste. Em que copo perdeste teu controle. Não sei onde fizeste tua cabana. Em que coração teu sangue pulsa mais vibrante. Não faço a menor idéia de quem conseguiu te convencer que amor é tabu, ou o contrário. Não sei quem te inspirou tua primeira poesia. Não sei que canção te faz chorar e nem que cor te favorece. Não sei o que te fez ter olhos castanhos claros e nem o que fez com que me inspirassem tamanha fixação por eles.
Não sei nada de ti, da tua vida, dos teus amores e despeitos. Não sei por que vieste aqui, e nem para onde vais depois. Mas vieste, me tocaste apenas com teus olhos, me fizeste querer te conhecer, te ouvir e te falar. Me fizeste querer tua vida cruzada na minha. E é ai que eles se cruzam, em meu mero desejo disso. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Abre-te sésamo

Ela sentou-se no lado oposto da pequena calçada. Ele parecia cansado, mas ainda assim não deixava de encantar, de assustar, de cantar, e dizer suas verdades.
Ele levantou os olhos e deparou-se com os seus.
- Que fazes aqui de novo?
- Como assim?
- Vieste a semana inteira, e me olhaste, vasculhaste. Onde queres chegar?
Ela ofereceu a água que tinha em mãos. Ele aceitou. Ela atravessou a rua e sentou-se ao seu lado, a certa distância.
- O que queres?
- Apreciar tua arte.
- É mais do que isso. Houve uma pausa - O que queres?
- Quero entender porque quando tu sorris, teus olhos mostram algo tão absurdo, quero entender o que me faz vir até aqui inconscientemente. Espero que entendas o que quero dizer.
- Não entendo muita coisa, e é isso que faz delas algo importante.
- Sei como é, mas isso se torna frustrante. Quando observar e saber estar diante de algo importante para si torna-se pouco, isso assusta.
- Pela terceira vez, o que queres?
- Eu não faço a menor idéia, só sei o que quero quando me sento ali e te ouço cantar. Não pense que estou apaixonada ou algo do tipo. Se fosse isso, seria mais fácil. Eu poderia tentar te seduzir, poderia tentar de tudo que me fosse possível, e se não desse certo eu teria minha dose de raiva, te maldiria por um tempo e depois de mais um tempo riria.
- Tem certeza que não é isso? Perguntou ele fitando seus olhos, como se pudesse atravessá-los.
- Sim. Não entenda mal, mas eu até preferia que fosse, seria mais fácil de controlar. Não sei o que é isso.
- Sabe, quando eu era jovem, o primeiro artista que conheci era um mendigo. Ele era horrível. Cantava mal, vestia-se mal, cheirava mal, era feio e mais qualquer coisa que faça uma pessoa parecer totalmente desprezível. Mas eu sempre parava para vê-lo. Eu não entendia direito o que ele dizia. Eram coisas muito estranhas, muito fortes. Minha mãe puxava-me pela orelha para sair de perto dele, até que um dia eu fugi de sua mão certeira e sentei-me ao seu lado. Perguntei humildemente porque estava ali. Disse-lhe que preferi dizer-lhe que ele não agradava, para que outra pessoa não fizesse de uma maneira pior. Ele respondeu-me sorrindo que eu era um bom garoto, preocupava-me com aqueles que muitos desprezavam. Disse-me que fora expulso do exército, por não jurar a bandeira, negara-se já que parte de sua família havia morrido de fome graças ao governo, a querida pátria que não respeitava, mas exigia respeito e amor. Não contou-me toda sua vida, mas disse-me o que importava, não disse-me o porque estava ali, deu-me a liberdade para imaginar o que lhe levara aquela vida.
- Farás o mesmo comigo?
- Não sei se devo. Pareces realmente precisar de algo que tenho. Não sei o que é, mas teus olhos me pedem isso com dignidade. Mereces o que queres, apenas precisamos saber o que é. Porque tanto observas meu pescoço?
- Nunca tive coragem de usar essa pedra.
- Acreditas no “poder” dos cristais?
- Sim.
- Acreditas por que são bonitos, agradáveis e interessantes, ou porque já sofreste a influencia de algum.
- Porque já sofri a influência de vários.
- Sabes como usar a obsidiana?
-Sim, mas sempre me assustou um pouco.
Ele tirou o colar com a pedra escura em seu centro do pescoço moreno.
- Há quanto tempo tens ela?
- Tinha há uns dez anos.
- Tinha?
- É tua.
- Se não fosses tu a me dar, eu confesso que recusaria.
- Percebi que tens uma ametista ai, usa junto, uma equilibra o efeito da outra. Me pareces a pessoa certa a usá-las. Elas te ajudarão bastante, não me pergunte no que.
Gostaria de te ver usando minha obsidiana, perdão, tua obsidiana.
- Tua, terei o mais prazer em usar a tua obsidiana.
- Assim seja.  Vai embora agora. Tens muito a fazer, sinto isso, e estarei aqui amanhã se quiseres conversar.
- Tenho muito a escrever e pensar.
- Voltarás?
- Até desistir de descobrir o que é isso, o que me chama pra cá todos os dias.
- Confesso que espero que demores a desistir, e que não descubras. Até amanhã.
Ele colocou o colar em seu pescoço. Ela levantou-se, olhou mais uma vez em seus olhos e foi embora, sem rumo e nem vontade de ir, mas “tinha muitas coisas a fazer.”

sábado, 10 de setembro de 2011

A fada do meu botequim






É aquela mesma sensação de início. Seja o início de um livro que te prendeu da capa ao fim, seja a frase de um mero desconhecido, seja o início de uma vela que observas queimar até seu fim. Seja o movimento da tua saia em volta de ti enquanto rodopias de pés descalços e mente alta.
É aquela inspiração em demasia, o ar em excesso, a música que toca a fresta mais escondida do teu espírito. É a dança que te faz mexer o mais insignificante centímetro de teu corpo, é a poesia mais triste, o sentimento mais efêmero e intenso, é a voz mais grave e doce, a luz que mais longe vai, a imensidão que se estende diante de teus olhos.
É o amor que não escolhe, a paixão que não suporta, a beleza que não dura, a vontade que não acaba, a vida que é ditada por bocas desconhecidas, o ser que não está aqui.
É a gaita que chora no ombro do violão, a arte que desconhece a razão, a cor que de tanto ser olhada desbota, o som que de tanto ser ouvido se cala. É o liquido que eleva sem lembrar-te da queda, a fumaça que envolve sem estar presente, a vida que desconhece os dias, a boca que desconhece o beijo, a emoção que anda de mãos dadas com a frieza. O conselho saído da boca do indulgente, o hino mais eloqüente. A mão mais ávida em abrir-se, os pés que tem como combustível a estrada, os olhos que tem como sua menina a vida. O poeta que como musa tem o intocável. O romance que não precisa de dois. O céu que chora seu azul, os fragmentos daqueles que se doam sem esperar seus pedaços de volta. As pessoas conhecidas em curvas inesperadas, os planos jogados pro alto, os mapas em palmas de mãos. As vontades escondidas, os esconderijos descobertos, a multidão que segue só, o alimento que não sacia, o corpo que clama por espírito.


Dia nosso de cada vida.

Não são só palavras sem nexo, sem sentido e nem propósito. São histórias, sejam elas inventadas, vividas, contadas com paixão, com tristeza, com amor ou o que quer que seja. Muitas não rimam, outras não usam palavras bonitas. Algumas são contadas de forma estranha, com velas ou pergaminhos. Algumas com música e outras com silêncio lúgubre. Seus personagens são vivos, são encantadores, são surrais, são coloridos ou encardidos, são pessoas, são bichos ou fadas, são bêbados ou pastores, eles são, sem precisar de muito, sem querer muito, eles são, em algum lugar e tempo eles são.
Não posso te obrigar a ouvir minhas histórias, a querê-las bem como eu quero. Não posso ir contra tua técnica, ela é grande demais, mas de que me serve? O que posso fazer com as tuas respostas bem ensaiadas e tão queridas pela lógica? Digo-te que com as vidas que canto ao mundo posso encantar, posso ensinar e aprender, posso inspirar e olhar para o horizonte sem saber quantos metros ele tem. Sabes o que posso fazer com minha paixão? Posso queimar acender, posso aquecer, posso corar, posso aprender, buscar, ir além.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Se tudo tenho, falta-me espaço para ser.

Quando permiti que uma luz desnecessária me ofuscasse, apaguei tua chama. Paraste de me falar e tudo que me deste foi uma sede absurda de palavras, de vontades e tinta. Como meus pensamentos não matavam essa sede - apenas aumentavam-na, decidi que se fosse assim não te queria mais por perto. Como se todo o teu valor e importância fosse baixado, estivesse no chão, junto comigo. Quis que ditasses o que eu queria ouvir, e esqueci que és como minha essência, não gostas de dizer palavras por conveniência, não gostas de gastar tua voz quando não se tem o que dizer. Então cruzaste os braços, e com isso, minha fúria aumentou. Vociferei, gritei, puxei meus cabelos, joguei coisas longe; aumentei minha sede.
Quanto mais eu te queria, mais te mandava pra longe com meu ato impertinente. Tuas palavras nunca me foram tão necessárias e ao mesmo tempo desprezadas. Até que, quando já não aguentava mais, rasguei minha roupa, e fiz dela uma bandeira branca. Demoraste um pouco para aceitar a paz. Esqueceste junto comigo como se sobrevive a ela, esqueceste junto comigo o seu significado. Mas enfim, vieste para perto, te instalei ao meu lado, e pedi, humildemente que me perdoasses, prometi que escreveria com total reverência o que quer que tu me ditasses.
 Começaste então com certa frieza. Disseste que fui ingênua, que esqueci meu propósito, que preocupei-me mais com o que era lido do que com o que era escrito. Aos poucos, tua voz foi tomando a tua característica paixão, tua peculiar necessidade de voz, de sentimento e de minhas mãos. No final, eu sentia-me completa. Haviam várias folhas espalhadas pelo tapete puído e velho, haviam várias palavras inventadas, vários traços desconhecidos e tortos, várias gostas de tinta usadas, dando forma e vida a algo que existia apenas ali. Minha sede havia ido embora. 

domingo, 4 de setembro de 2011

" O poeta de um mundo caduco"


- Com licença, mas achas que isso é arte?
- Não senhor. Acho que isso é a minha arte.
- Estás sendo petulante.
- Discordo do senhor, estou defendendo o que acredito. Aceito que o senhor me diga que não gosta do meu trabalho, que isso não é arte, ou o que quer que seja, mas coloque-se no meu lugar como estou colocando-me no seu.
- Deverias fazer algo mais importante, mais sério. Em algum momento envelhecerás.
- Importante para quem? Para o senhor? Com todo o respeito, mas o senhor é feliz?
- É claro que sou, sou bem sucedido em tudo que escolhi para minha vida.
- Pois eu não sou plenamente feliz. Eu busco isso a cada dia, em cada olhar, em cada passo que dou; em cada lugar que vou e em cada musica que ouço.
- E o que tem a felicidade a ver com isso?
- O senhor sabia que quando uma planta que cresce e cria raízes na terra é posta na água ela sobrevive?
- Não eu não sabia e não vejo nexo.
- Quando ela é posta na água, sua folha fica mai rígida e grossa. Suas raízes um pouco mais escuras e de suas folhas saem pequenas gotas viscosas.
- E então ela morre. Estudas biologia ou algo do tipo?
- Não, ela não morre e não estudo nada do tipo, mas amo plantas, e vou lhe dizer o que acontece com elas. Elas sobrevivem por mais o tempo que for necessário. Se mantém vivas e bonitas. Mas não crescem. Não porque não querem ou por falta de cuidado. Mas porque ali não é o seu lugar. Suas raízes podem manter-se vivas, mas não tem como se fixar. Então elas seguem vivas, abençoando as vidas daqueles que lhes apreciam, mas não vão adiante.
- E se puseres elas de volta na terra?
- De duas uma; ou crescem em demasia, belas e leves, delicadas e vivas, ou então morrem; afinal, ficaram tempo demais na água, e agora esqueceram como se faz para crescer em outro ambiente.
- Falas bem, mas e a prática disso?
- Prático isso com a falsa arte que o senhor desdenhou. Não sei desenhar e nem cantar, não sei tocar bem muitos instrumentos, não tenho pencas de amigos e nem de roupas, não gosto de maquiagem e nem de carne vermelha. Mas amo o que tenho, busco estar por perto do que escolhi, busco honrar aqueles que merecem meu amor e respeito. Busco viver no meu ambiente, não no que querem que eu cresça com folhas grosseiras e sem vida, não onde eu precise chorar para me nutrir.
O senhor deu-lhe as costas, resmungando alguma coisa, mas algumas pessoas que acompanharam a conversa continuaram ali, em silêncio reverente por mais alguns segundos. Então, ela voltou suas mãos sujas de tinta para a pequena tela que tinha em mãos, voltou a tocar a gaita de boca presa em seu pescoço. As pessoas começaram a ir embora, e outras começaram a parar para assisti-la trabalhar. E o mundo continuou girando da mesma forma, mas alguém suas palavras ouviu. 


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pelo zunido das suas asas você me falou...

Te desejar toda felicidade possível a um ser humano, toda arte que te inspirar, todo amor que puderes carregar, desejar que toda força e magia que trazes contigo cresçam a cada ano, que teus sonhos nunca sejam pesados demais, e se por acaso forem, que tenhas sempre alguém para te ajudar a levá-los onde fores. Te desejar que teus amores e palavras sejam sempre sinceros, que o que dizes saia do teu âmago, desejar que não esqueças a pureza que há dentro de ti. Desejar que estejamos sempre juntas, desejar tudo isso seria o mínimo. Desejo um pouco mais então, desejo que te lembres dessa data como começo de mais um novo ciclo, como tu mesma diz.  Que esses ciclos continuem se completando por mais muitos anos, e que a cada ano, te lembres quão importante és para a vida daqueles que se permitem aprender algo contigo, tens muito a ensinar e muito a aprender. Tens muito a doar, e sei que sempre farás isso com todas as tuas forças, sem esperar algo de volta.
Que a cigana que carregas dentro de ti fale alto o suficiente. Dança, canta, chora, grita, briga quando achares necessário, sejas doce quando sentires vontade, escreve, encanta, ouve, e dança mais um pouco.
Eu espero sinceramente estar do teu lado por mais muitas datas como essa, espero escrever mais vários textos como esse. Talvez no futuro, as palavras sejam diferentes, as expressões sejam outras, os focos de nossas vidas pareçam mais sérios, mas que a cada ano, possamos continuar carregando firme o que ganhamos ao longo do tempo, que o caminho que escolhemos seguir juntas nunca seja escuro demais. Que tenhas tudo que precisares, não digo o que desejares porque sabemos que isso é possível, então, que tu possas ser como um dos cristais que tanto nos encantam. Sejas pura, sejas clara, sejas brilhante, reluzente, sejas simples, tenha várias cores, seja cristalina, sejas amável e te permita sempre amar, sejas forte para te manter firme em tuas convicções, sejas tu mesma, independente de quem fores. Estarei sempre do teu lado, independente de quem fores, de onde fores, de como fores, de quando fores.
Te amo.



terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ouça-me bem, amor...

Como podes tapar teus ouvidos diante da seriedade das palavras que te são direcionadas?! Como podes dizer que os que mais viveram, mais sabem, não tem o que dizer.  Te julgas tão grande na tua pequena cabeça, te julgas tão belo no teu tão comum uniforme. Senta e ouves! Cerra teus lábios por alguns minutos, deixa que teus ouvidos sejam usados e permita, pelo menos uma vez na tua pequena vida, ser guiado, ser levado pelas mãos que já estão enrugadas pelo tempo, já estão marcadas pela vida. Não digas que seu tempo já se foi, que suas histórias não são para ti, que a vida que eles viveram foi em vão. Algum dia quererás tu que tua vida seja vista como algo desimportante, algum dia quererás que tuas palavras sejam ouvidas com inexpressão? Então, não ouça-os apenas por polidez, mas por amor a tudo que lhes foi permitido conhecer para então, poder te ensinar sem nada esperar.



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Virgem santa e sacana ...


- Tu pareces uma cigana dançando assim.
- E desde quando observas ciganas dançando? Perguntou ela sem parar de dançar.
- Meu avô era cigano, ensinou minha mãe a dançar.
- Porque nunca me disseste isso?
- Não sei, mas agora me lembraste minha mãe dançando. Eu sempre gostei de ver.  A forma como tua saia rodopia em volta de ti, teus pés descalços, teus cabelos soltos, teus ombros a mostra, mas acima de tudo, teus olhos, eles mudam quando tu danças.
- Não sei dançar, mas sinto algo inexplicável quando danço.  
- Nunca me disseste isso. Se eu soubesse tocaria mais vezes.
- Gosto de te ouvir tocar, às vezes sinto o impulso de levantar e sair dançando. Não sei o que me segurava.
- Danças como uma cigana.
- Tocas como se a gaita fosse uma parte de ti. Como se fosse a única coisa do mundo. É mágico.
Ela fechou os olhos e seguiu dançando. Ele tocava, acompanhava o toca-discos e dava vida as coisas a sua volta. De repente ela parou.
- Me conta sobre a historia dos teus avos?
- Minha avó freqüentava uma pequena igreja em frente a praça da cidade onde morava, era extremamente religiosa, mas apenas por insistência de sua mãe, acreditava e temia a Deus, mas tinha pavor de missas. Um dia meu avô estava em frente à igreja conversando com o padre, o que para minha bisavó era algo impossível, era desrespeitoso um representante de Deus conversar com um ladrão, imagine só, um cigano! Ele riu – Mas minha avó sempre teve certa atração pelo oposto do que seguia sem amor. Ficou em silêncio enquanto meu avô terminava a conversa com o padre já um pouco irritado pelos olhares de minha bisavó. Quando resolveu ir embora olhou para minha avó, ficaram alguns segundos se olhando e ele foi embora. Minha avó conta que passou a missa inteira pensando nos olhos daquele cigano.
Quando a missa terminou, foi a ultima a sair, disse que ficaria para fazer mais algumas orações, afinal precisava pedir perdão por seus pensamentos. Ao sair da capela, um menino aproximou-se e entregou-lhe um recado, era de meu avô, pedindo que se encontrassem no pequeno lago que ficava perto da capela. Como o menino que lhe entregou o recado não esperou, ela percebeu que não era um pedido, mas um aviso, ele estaria lá, esperando por ela.
Foi até o lago sem nenhum receio, pela primeira vez na vida faria algo que realmente lhe interessava, realmente queria.  Quando chegou ao lago, meu avô estava sentado no chão, encostado no tronco de uma árvore com o chapéu no rosto. Minha avó aproximou-se e sentou em frente a ele. Com delicadeza tirou o chapéu do rosto moreno e o observou. Ela conta que sentiu como se eles se conhecessem há muito tempo. Como se aquela cena fosse muito familiar. Diz que quando ele abriu os olhos sorriu e simplesmente disse olá. Conversaram a noite inteira, sem nem ao menos tocarem-se. Minha avó recebeu uma surra quando chegou em casa, foi proibida de sair, e toda a noite fugia para encontrar meu avô. Uma semana depois passaram a considerar-se namorados, um mês e meio depois estavam marcando a data do casamento sem o consentimento de seus pais. Minha avó tornou-se uma mulher falada, já que naquela época quando os casamentos aconteciam tão depressa era porque a noiva  estava grávida. Mas minha avó demorou a engravidar, calando então a boca das fofoqueiras da cidade. Depois que uns dois anos de casados minha avó completou vinte anos e meu avô vinte e oito. Foram embora sem que ninguém soubesse. Cavalgaram por dias, apenas carregando comida e algumas roupas. Pararam numa cidade e fizeram alguns amigos, acabaram se instalando lá, minha mãe nasceu alguns anos depois e viveu com os pais até conhecer meu pai.
- Como se chamava teu avô?
- Javier.



sábado, 27 de agosto de 2011

Cara cabeludo

- Por onde começamos querida? Perguntou ele com o sorriso irônico que lhe caracterizava.
- Onde estavas?
- Onde me puseste. Mas não quero conversar, sabe que não gosto de palavras. Elas são teu escudo, e ele me mantém longe.
- E o que queres então, que eu esteja de braços abertos? Disposta a fingir que não passaste esse tempo fora?
- E se eu te disser que não consegui me envolver com ninguém? Absolutamente ninguém. E acredite, eu tentei. Riu ele.
Ela fechou a porta.
Ela abriu a porta.
- Porque és assim, por que não podes ser um cara normal, por que tens que ter esse maldito e nojento sorriso de quem sabe o que quer?
- Com todo respeito meu bem, a culpa não é minha se sentes atração por caras malditos e nojentos como eu.
- Não és assim tão durão quanto te julgas, ou não estarias aqui de novo, já te coloquei pra fora umas vinte vezes.
- Posso entrar?
- Não.
- Não és assim tão inteligente quanto te julgas já me puseste pra fora umas vinte vezes.
- Maldito seja o dia em que te rejeitei!
Ele riu.
- Com certeza, se tivesses me aceito de primeira eu não teria seguido adiante, não teria passado tanto tempo. Posso entrar?
- Já disse que não.
- Ok, então eu vou embora. Não vou ficar se não queres. Não gosto de esmola e nem tu de dar esmola pra quem não merece.
- Boa noite.
Ela fechou a porta.
Ele abriu a porta.
- Não te dei uma chave.
- Peguei da ultima vez, e sabes disso, tens só três. Sendo assim, ficaste me esperando, então presumo que queres que eu fique.
- Agora gostas de esmola?
Ele não respondeu, apenas foi até ela.

"Vou contar pro teu pai que tu namora um cara cabeludo..."

domingo, 21 de agosto de 2011

Ao som dos bandolins...


E então percebes que o mundo continua o mesmo. Não foi ele quem mudou perante as circunstancias. Foste tu. Talvez ainda pareça a mesma fisicamente, talvez ainda goste de dormir de bruços, talvez a mesma música ainda te toque como antes, talvez ainda não goste de pimenta, talvez não aprendeste a gostar de bossa nova... Talvez muitas coisas. Ou talvez nenhuma importante. Mas mudaste pra crescer, te abriste porque foi necessário e agora não adianta mais fingir que os golpes que não esperavas não têm importância, que não te causam dor. Eles também são parte importante, apesar de desagradável. Largar tua bagagem, sentar no chão e chorar por não ser mais a mesma de antes não vai te fazer ir adiante. Não sabes o que fazer? Muito bem, sabias no inicio, quando deste o primeiro passo?
O que quero que entendas é que as coisas não vão mudar sem teu esforço e atos. Tuas lágrimas não vão irrigar nada além de mais tristeza. Tuas palavras sem força não vão chegar a ouvido algum. Defender o que amas sem amor, não vai ser a melhor estratégia. Então, podes continuar aí, sentada abraçando teus joelhos, podes humildemente achar cada detalhe dos teus erros, mas isso não vai te dar forças pra levantar. Te arrependeste? Ótimo, agora olha pra frente, se quiseres podes espiar o que ficou lá atrás. Tens todo o direito de sentir saudade e se perguntar por que não foi como quiseste. Mas se voltares vais ficar estagnada de novo, vais sentar para descansar e vais acabar querendo ficar.
Sabes que é forte pra seguir em frente mais leve e livre. Podes fazer isso. Não vou te dizer para ser forte, sejas inteligente, sensível ao que te é mostrado e grata ao que te é dado. Sejas clara quando quiseres, mas não tão exposta, precisas te defender e isso não é fraqueza, é saber ir adiante. A suavidade é bem vinda as vezes, aceita ela. 


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sauntering

Ainda ouço o cara sentado no chão com o violão no colo, posso dizer que sim, ele tinha uma voz visceral, pura, limpa de qualquer técnica.
Dei-me o direito de sentar em frente a ele no chão, sem preocupar-me com o que seria dito ou pensado por aqueles poucos que paravam para ouvi-lo. Ele não precisou perguntar meu nome e nem eu o dele, não foi necessário dizer absolutamente nada de interessante, ele simplesmente olhou-me nos olhos e sorriu, retribui o sorriso e a franqueza no olhar, a cumplicidade que não precisa de palavras para ser expressa.
Ele continuou tocando e cantando, olhava-me de vez em quando, com a alegria no olhar, aquela, típica de quem fica feliz ao encontrar alguém interessado em sua mensagem, aquela que há tempos eu procurava. E encontrei enquanto ouvia aquele jovem, tão jovem quanto queria ser, tão jovem quanto eu, com a barba escurecendo-lhe o rosto, mal vestido – aos olhos dos outros; e feliz por estar sentado no chão, no centro da cidade, em meio a tantas vidas desimportantes para aqueles que eram nomeados seus donos, em meio a tantos pés e espíritos apressados. Ele estava feliz ali, como se soubesse que a vida de alguém ele iria abençoar com sua arte, como se soubesse que a cada letra proferida por sua boca, a cada som que extraia do violão, a cada centelha de luz que seus olhos criavam, faria o mundo melhor nem que fosse por um segundo, e sabia com a humildade dos que buscam o conhecimento, ao invés de esperar que ele caísse do céu.
Ele parou de tocar, e apenas eu continuei ali, sentada totalmente à vontade, minha saia espalhava-se pelo chão, acredito que meu rosto refletia o que ele sentia; a gratidão, a alegria. Não fiz questão nenhuma de resistir ao impulso de abraçá-lo, e beijá-lo no rosto, ele tampouco. Abraçamo-nos e levantei-me. Ele perguntou se eu voltaria em algum momento, eu disse que não sabia, e se não voltasse a vê-lo, cada vez que passasse por ali, lembraria daqueles minutos, de sua voz e mensagem, ele jamais seria por mim esquecido, pelo contrário, era parte do símbolo de tudo que amo e busco. Nós falávamos a mesma língua, éramos poucos, éramos claros para com os que nos que entendiam. Sim, nós nos veríamos de novo, essa certeza fixou-se em mim.

"Sociedade, sua raça louca.
Espero que não esteja solitária sem mim.
Sociedade, realmente louca."


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom.

Já disse; não volta, poupa a nós mesmos.
Te coloquei pra fora do meu quarto, da minha casa, pra fora de mim. Fui ontem ao sebo, e troquei os livros que me deste, vendi os CDs, joguei longe o abajur e as tuas preciosas garrafas, coloquei azeitona na salada e lembrei da tua careta, ouvi o blues mais puro que conheço e lembrei de ti, vesti aquela roupa que odeias e quis desesperadamente que tu me visses. Não me pergunta o porquê disso querido.
Não faz mais diferença. Fui egoísta mesmo, com um prazer que poucas vezes senti enquanto fazia algo que não era necessariamente o melhor.  Me ensinaste isso, me disseste com teus atos que eu tinha todo direito de jogar tuas coisas fora, assim como fizeste com as minhas, tem apenas uma diferença: as coisas que me pertenciam e que jogaste fora, não são palpáveis, e ainda assim, não deste valor a elas.
Lembrei do dia em que puseste tuas tralhas todas (com certa dificuldade; já que a essa altura não sabíamos mais o que era teu e o que era meu), no fusca e disseste que não voltarias mais, que estava de saco cheio das minhas manias e problemas, não precisava carregá-los, eu que me virasse. Lembra quando foi? Quanto tempo demorou para tirá-las novamente do porta-malas pequeno e voltar gargalhando?
Então, faz bastante tempo, tanto que nem lembro direito quando foi. Só do teu riso enchendo a sala, lembro apenas da música que nos envolvia e aproximava cada vez mais enquanto colocávamos as coisas no lugar, lembro da bandeira branca que foi levantada naquele dia, pra ser baixada no dia seguinte por um CD riscado.
Agora, não me faz querer te esquecer, deixa tuas coisas, ou leva tudo que quiseres, mas sai logo daqui, antes que eu mude de idéia, antes que teus braços me chamem de novo. Sai logo, sai rápido e sem a menor discrição, vê se faz bastante estardalhaço. Não esquece nenhum detalhe da casa, nem de mim, não esquece as histórias e nem os gritos, as coisas quebradas em momentos de raiva ou alegria, não esquece as cores das paredes, não esquece de trocar a agulha do toca-discos antes de sair, não esquece das lágrimas e sorrisos que tomam conta do meu rosto agora. Não esquece de mim, e nem de ir embora.


quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cada lado do delta é uma base.

Estavam ali sentadas, com alguns trabalhos seus, alguns feitos por mãos desconhecidas, e até mesmo as coisas feitas por máquinas tinham vida. Não eram muitas coisas, não se podia viver só daquilo; da venda de antiguidades que apesar de valer muito para elas, eram vendidas por preços um tanto quanto baixos.
As três vagavam pelo centro da cidade dia após dia, até irem para outra cidade em busca de novos materiais, novas vidas dispostas a dar-lhes algo, e muito ganhavam com isso.
Novos e vários olhos cruzavam com os seus todos os dias, alguns lhes diziam algo, alguns demonstravam indiferença, alguns até mesmo pena. Estavam ali, mais por aprendizado do que por necessidade. Amavam poder sentir um orgulho tão pleno pelo que faziam, pelo que ofereciam e recebiam. Todos os dias pessoas lhes mostravam algo, pessoas que nem ao menos lhes conheciam, mas suas expressões em ver três jovens sentadas no chão, com violão, gaita de bota e bongos, vendendo coisas ao invés de "trabalharem de verdade", essas pessoas lhe mostravam o quão felizes eram.
Mas naquela tarde em especial, um homem de idade já avançada foi o professor, foi o ponto central do dia. Ele aproximou-se e observou algumas peças enquanto elas tocavam e cantavam, quando a que tocava gaita de boca parou para atender-lhe, ele perguntou com a humildade já extinta em muitos idosos, por que estavam ali, por que não estavam estudando ou fazendo algo realmente importante, algo que lhes proporcionasse um bom futuro.
- Estamos trabalhando senhor, ganhamos dinheiro tocando, cantando, vendendo essas coisas, ganhamos dinheiro dando aos outros o que amamos. Respondeu a morena com alguns colares e saia indiana escura, contrastando com a pele muito clara, também com a franqueza em seus olhos.
-Perdoem-me se parecer rude, mas vocês são jovens, isso não vai durar para a vida inteira, em algum momento terão que levar as coisas a sério.
-Não precisa desculpar-se, o que o senhor nos diz é importante, e sabemos disso, levamos nossas vidas a sério, algum dia elas irão acabar, mas até lá, podemos seguir amando e vivendo nossos dias, precisamos disso, esse é o nosso futuro e presente, não acredito que exista apenas uma forma de levar a vida a sério. -Foi a vez da morena com longos cabelos castanhos com reflexos dourados graças ao sol alaranjado, e o bongo na mão, responder.
-Entendo isso, mas e as famílias de vocês, os lares, os estudos, o equilíbrio, a estabilidade, onde estas coisas ficam?
-Ficam dentro de nós, ficam em seus lugares de grande importância, vou contar-lhe uma coisa, tenho minha religião, e a sigo com grande amor e fidelidade, tenho minha família e a respeito e amo com todas as minhas forças, já estudei, me formei e na hora que quiser posso largar isso e trabalhar em uma boa empresa, poderia ganhar um bom salário e teria então a certeza que daria para pagar as poucas contas que tenho; busquei meu equilíbrio, minha estabilidade, busquei paz, e só encontrei essas enquanto caminhava, enquanto distribuía o pouco que tinha com aqueles que me olhavam nos olhos e tocavam-me com suas palavras. É mais forte do que eu, do que nós. Respondeu à primeira.
-Entendo, vejo em vocês o que sentia quando era jovem, como se o amanhã fosse chegar depois de muito tempo, como se o hoje não interferisse no futuro, mas quando se chega mais longe, quando o corpo já não acompanha tão bem a mente, é possível, é mais fácil perceber quantos erros se comete quando se pensa assim.
- Entendo o senhor, e sei que cometo muitos erros, não vou dizer que sou grata a eles, mas prefiro errar fazendo o que sei, o que amo, prefiro errar enquanto busco o que me faz bem, seria muito doloroso cicatrizar aquilo que foi feito sem amor, que foi feito apenas por fazer. Disse-lhe a loira com o chapéu castanho escuro contrastando com seus olhos bem desenhados e com a cor do violão que segurava.
-Tudo bem, eu entendo e respeito esse amor de vocês, até porque não cometerão os mesmos erros que eu cometi, admiro sua teoria e a forma como colocam ela em prática. Inclinou-se com certa dificuldade e pegou um castiçal de cobre, observou-o - Quanto custa este?
- Quanto o senhor tem no bolso direito? Perguntou a morena de cabelos longos.
Ele enfiou a mão no bolso, com certa estranheza perante a pergunta, tirou apenas uma nota de cinco reais e mostrou-lhes.
-Custa cinco reais senhor. Disse a loira.
- Mas isso vale bem mais.
A moça da gaita sorriu e com prazer lhe respondeu.
-Vale sim, e é só dinheiro, podemos conseguir durante a semana, mas o que o senhor nos disse não vai ser repetido por mais ninguém. Quer que embrulhe?






"[...] Suponhamos que dois bombeiros entrem em uma floresta para apagar um pequeno incêndio. No final, quando saem e vão para a beira de um riacho, um deles tem o rosto coberto de cinzas, e o outro esta maculadamente limpo. Pergunto: qual dos dois vai lavar o rosto?
-É uma pergunta tola: evidente que será o que esta coberto de cinzas.
-Errado: o que tem o rosto sujo ira olhar para o outro, pensar que esta igual a ele. E vice versa: o que tem o rosto limpo verá que seu companheiro está com fuligem por toda parte, e daí dirá a si mesmo: devo também estar sujo, preciso lavar-me."

domingo, 24 de julho de 2011

Pelo seu nome correto.

Lembrei-me daquele dia de sol, dos olhos profundos e tão queridos que me fitavam.

- Já sabes pra onde vais daqui?
-Gosto do jeito que tu fala, são poucos os que falam dessa forma, correta, mas natural.
-Por que não respondes à minha pergunta?
-Porque senti vontade de te dizer isso. Não sei pra onde vou, só sei que pretendo continuar viva para decidir isso mais tarde.
-Se depender de mim, vais ficar viva por mais muito tempo, sinto que tenho que te proteger, que apesar da tua força, de tudo que vem de ti ser tão grande, tu é frágil, por estar tão aberta o tempo todo.
-Sei disso, e durante um determinado tempo isso me assustou, pensei que seria mais fácil sabe, mas depois dos primeiros tombos sem mãos para me levantar, as coisas tornaram-se mais fáceis de suportar, não de deixar de lado, mas de suportar a dor que algumas causam. A felicidade e sensação de pureza, de liberdade compensa.
-Acredito nisso, essa não é só uma sensação, é a liberdade em si, em sua forma essencial.
-Ela não me assusta.
-Já te assustou alguma vez?
Houve um silêncio, como se as palavras estivessem pairando no ar, como se esperassem ser postas em ordem.
-Já sim, mas não era a liberdade, era uma só uma sensação que veio tão rápido quanto foi. Não era real. Não precisei buscá-la, e isso me assustou. Quando percebi, tive certa dificuldade pra voltar atrás, pra voltar a ser o que era, mas não tive dificuldade pra ver que não era o que eu buscava. É muito diferente do que sinto agora, isso é bom, é inundado por luz, alegria mesmo, aquilo não era, mas me ensinou algo.
-O que?
-A não buscar atalhos para o que é preciso o caminho completo, quero dizer, sabedoria, liberdade e amor andam juntos com o tempo, eles são irmãos, um precisa do outro; sem tempo tu não ganha sabedoria, sem sabedoria, teu tempo não vale nada, ele só existe por que algum relógio diz isso. Tu só vives por que precisa te alimentar, precisa ganhar dinheiro, precisar ser educado para com aqueles que te cercam e assim por diante. Mas e a busca por algo maior do que tu já tens? Não falo do material, mas daquilo que te inspira amor, fé, vida.
-Os erros nos ensinam muito mesmo.
-Não concordo, não acredito que são exatamente os erros que nos ensinam. Eles tornam-se "anticorpos", mas o que realmente te ensina é a sensação de impotência, é saber que tu não podes voltar atrás, mas que se tu seguir em frente haverão outras chances pra te redimir, fazer com que os ganhos, os sorrisos, as bênçãos que tu recebe, sirvam de borracha para os erros lá de trás, e aos poucos o que vai ficando é a gratidão, não por ter errado e aprendido que se tu fizer tal coisa, tal coisa vai te acontecer, mas tu te torna grato por ter conseguido olhar mais pra frente do que pra trás, tu vai aprender que gratidão também é sinônimo de alegria.
-Tu falas de uma forma, como se já tivesse vivido tanto, como se já tivesse conhecido tantas pessoas e teorias, mas o que tu dizes é tão teu. Tu falas com uma força emanando de ti, mas ela é delicada, é suave de uma forma que eu não sei explicar.
Eu ri, deliciei-me com a expressão dele, ri até ele começar também, ri até meus olhos encherem-se de lagrimas, a água que sempre me nutriu, fossem elas felizes ou não



Thank you.
"Tive uma vida feliz e agradeço ao Senhor. Adeus, e que Deus abençoe a todos. Para chamar cada coisa pelo seu nome correto. " (Alex Supertramp)

With the peace comes the freedom.

Queria poder te contar das minhas coisas, queria poder te falar da importância do que amo, e do desinteresse que sinto por aquilo que me é imposto por quem não me conhece. Queria poder estourar meus pulmões gritando para o mundo que essa sou eu, que não quero agradar quem não me interessa, quero apenas seguir em frente, carregando apenas o necessário para mais um dia, quero aprender e ensinar, quero um lugar que me seja concedido ver o céu por inteiro.
E por que não posso? Me diz, se conseguires me dar uma razão que seja tua, que sirva pra mim e não para a humanidade inteira, se conseguires me responder algo que eu ainda não tenha ouvido, sossegarei, me sentarei como quiseres, usarei a cor que quiseres, direi o que te convém, serei quem desejares que eu seja. Mas tu não pode fazer isso, porque eu tenho todo direito de querer jogar tudo pro alto pelo menos uma vez, eu tenho todo direito de viver sem esse maldito veneno que a sociedade me proporciona com exagero, eu tenho todo direito de desejar viver sem esse tanto que é sinônimo de nada, eu tenho todo direito de te dar as costas agora, porque aquilo que me sufoca é invisível, não existe se eu for mais forte se eu não o quiser, e eu não quero, e só agora tive força e coragem pra dizer isso em voz alta, tive que repetir isso, até me ver aos gritos, sorrindo e chorando ao mesmo tempo, então por favor, não tenta me fazer voltar, eu não vou, me trairia se o fizesse.

"Olhe em meus olhos e eu farei você ver,
nós estamos andando sem rumo,
Cegos no mundo do faz de conta.

Escute eles cantando suas canções fora do ritmo
e não como eles concordam,
comprando a necessidade de ser discreto...

E qualquer coisa que faça você ver, faça você acreditar
e esqueça sobre a premonição que você precisa conceber,
as imagens que eles vendem são ilusões e sonhos
em outras palavras desonestidade...

Não resolve nada vestir isso em um lindo vestido,
Você ainda vai afogar-se,
então você sabe o que me leva além,
fora da minha mente."

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Quem nesse mundo faz o que há durar.

Que haja amor onde quer que a gente vá.
Que haja riso, mas que sejamos fortes o suficiente para dar direito as lágrimas.
Que haja sol, mas que as gotas que caem do céu nos purifiquem .
Que haja música, e que a dança seja nossa voz e vez.
Que nossos heróis sejam fortes como somos.
Que haja força, mas que a suavidade seja maior e mais intensa.
Que haja felicidade, ainda que o caminho para chegar até ela seja tortuoso e escuro.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Onde estiver teu tesouro, aí estará teu coração.

Depois de vagar pelo centro da cidade, sob a chuva, pensando em como sentia-se bem daquela forma; parou diante da praça que nunca foi sua preferida, mas que agora parecia ter sido criada para si, a praça enorme estava vazia. Havia apenas um homem, que ela não demorou muito para reconhecer, ele estava recolhendo seus instrumentos, estava quase pronto pra ir embora.
-Tu não toca mais hoje? Perguntou ela sem timidez ou receio algum, apenas com um sorriso sincero nos lábios.
-Acho que não porque?
-Já ouvi falar muito ta tua música, gostaria de também ser tocada por ela. Mas outro dia eu volto. Boa tarde.
Ela seguiu a diante com uma alegria tão serena que era quase inacreditável.
- Espera, se tu quiser, posso tocar pra ti. Disse ele com uma franqueza quase palpável.
-Eu adoraria.
Ele terminou de recolher suas coisas do chão, sentaram-se num banco um pouco mais protegido da chuva e ele começou a tocar e a cantar. Enquanto o ouvia, teve certeza de que seria sempre assim, ainda que o tempo lhe endurecesse e fizesse um pouco amarga, sempre amaria essas pessoas, ainda que desconhecidas, mas que lhe oferecessem algo realmente importante. Ela começou a chorar, o choro mais triste que existe, aquele que são só lagrimas, aquele que diz mais do que qualquer soluço. Ele percebeu, mas não parou, foi até o final, e só quando a musica terminou ele lhe encarou. Houve silêncio, não aquele constrangedor, mas o que demonstra cumplicidade, o que demonstra um afeto sincero.
-Porque estas chorando? Perguntou ele com total certeza que tinha esse direito.
-Por gratidão, por felicidade, por tristeza, pelo sentimento mais bonito que existe.
-Mas que as vezes machuca não?
-Sim, mas estou incrivelmente bem, tua musica é mesmo mágica, e não só porque tu faz isso bem, mas porque tu tem muito a dizer, tu tem muito a ensinar, porque tenho certeza que tu poderia estar engravatado ganhando muito dinheiro, mas tu quer estar aqui.
-"Onde estiver teu tesouro, aí, estará teu coração". É mais ou menos isso.
-Sim, e te admiro sinceramente por fazer isso. Sabe, eu li uma vez, que os mendigos escolhiam ser mendigos, renunciavam a coisas fúteis, se negavam a trabalhar durante uma vida inteira para dar dinheiro aos que governavam com corrupção, não queriam ser regidos por quem nem ao menos importava-se com eles, entre outros motivos que para muitos seriam absurdos. Não entendo e nem concordo plenamente com isso, acho que não se deve generalizar, mas me ajuda a entender uma parte desse mundo estranho.
- Eu entendo, e tens razão, eu poderia sim estar ganhando muito dinheiro, como fiz durante um certo tempo da minha vida, mas com isso não veio nada, veio apenas um poder que eu sinceramente não queria, veio uma liberdade financeira que cortava minhas asas, veio uma tristeza tão grande quanto o monte que se juntava na minha cota bancária. Então resolvi largar tudo, e tinha sim muito a perder, porque se não tivesse, largar tudo não faria sentido. E não é fácil não, pelo contrário, por mais forte que tu acredite ser, tua força, teu amor, tua fé e tudo que tu acredita é testado, e quer saber o que me ajuda a seguir? Momentos como esse.
-Não nos conhecemos, mas estamos falando de coisas difíceis de se falar.
-Exato, isso me mostra o que tu me disse antes, tenho muito para falar e ensinar, mas além disso tenho muito mais para aprender, e sou grato por isso.
Os dois conversaram por mais um bom tempo, sobre tudo que lhes era importante, sem nem ao menos pensar em perguntar se conseguiriam ver-se outro dia. Era aquilo que importava, era isso que eles precisavam, eram duas pessoas estranhas que sentiam-se gratas uma pela outra, e assim seria até um precisar ir embora, assim seria cada vez que eles lembrassem daquela tarde chuvosa.