- Tu pareces uma cigana dançando assim.
- E desde quando observas ciganas dançando? Perguntou ela sem parar de dançar.
- Meu avô era cigano, ensinou minha mãe a dançar.
- Porque nunca me disseste isso?
- Não sei, mas agora me lembraste minha mãe dançando. Eu sempre gostei de ver. A forma como tua saia rodopia em volta de ti, teus pés descalços, teus cabelos soltos, teus ombros a mostra, mas acima de tudo, teus olhos, eles mudam quando tu danças.
- Não sei dançar, mas sinto algo inexplicável quando danço.
- Nunca me disseste isso. Se eu soubesse tocaria mais vezes.
- Gosto de te ouvir tocar, às vezes sinto o impulso de levantar e sair dançando. Não sei o que me segurava.
- Danças como uma cigana.
- Tocas como se a gaita fosse uma parte de ti. Como se fosse a única coisa do mundo. É mágico.
Ela fechou os olhos e seguiu dançando. Ele tocava, acompanhava o toca-discos e dava vida as coisas a sua volta. De repente ela parou.
- Me conta sobre a historia dos teus avos?
- Minha avó freqüentava uma pequena igreja em frente a praça da cidade onde morava, era extremamente religiosa, mas apenas por insistência de sua mãe, acreditava e temia a Deus, mas tinha pavor de missas. Um dia meu avô estava em frente à igreja conversando com o padre, o que para minha bisavó era algo impossível, era desrespeitoso um representante de Deus conversar com um ladrão, imagine só, um cigano! Ele riu – Mas minha avó sempre teve certa atração pelo oposto do que seguia sem amor. Ficou em silêncio enquanto meu avô terminava a conversa com o padre já um pouco irritado pelos olhares de minha bisavó. Quando resolveu ir embora olhou para minha avó, ficaram alguns segundos se olhando e ele foi embora. Minha avó conta que passou a missa inteira pensando nos olhos daquele cigano.
Quando a missa terminou, foi a ultima a sair, disse que ficaria para fazer mais algumas orações, afinal precisava pedir perdão por seus pensamentos. Ao sair da capela, um menino aproximou-se e entregou-lhe um recado, era de meu avô, pedindo que se encontrassem no pequeno lago que ficava perto da capela. Como o menino que lhe entregou o recado não esperou, ela percebeu que não era um pedido, mas um aviso, ele estaria lá, esperando por ela.
Foi até o lago sem nenhum receio, pela primeira vez na vida faria algo que realmente lhe interessava, realmente queria. Quando chegou ao lago, meu avô estava sentado no chão, encostado no tronco de uma árvore com o chapéu no rosto. Minha avó aproximou-se e sentou em frente a ele. Com delicadeza tirou o chapéu do rosto moreno e o observou. Ela conta que sentiu como se eles se conhecessem há muito tempo. Como se aquela cena fosse muito familiar. Diz que quando ele abriu os olhos sorriu e simplesmente disse olá. Conversaram a noite inteira, sem nem ao menos tocarem-se. Minha avó recebeu uma surra quando chegou em casa, foi proibida de sair, e toda a noite fugia para encontrar meu avô. Uma semana depois passaram a considerar-se namorados, um mês e meio depois estavam marcando a data do casamento sem o consentimento de seus pais. Minha avó tornou-se uma mulher falada, já que naquela época quando os casamentos aconteciam tão depressa era porque a noiva estava grávida. Mas minha avó demorou a engravidar, calando então a boca das fofoqueiras da cidade. Depois que uns dois anos de casados minha avó completou vinte anos e meu avô vinte e oito. Foram embora sem que ninguém soubesse. Cavalgaram por dias, apenas carregando comida e algumas roupas. Pararam numa cidade e fizeram alguns amigos, acabaram se instalando lá, minha mãe nasceu alguns anos depois e viveu com os pais até conhecer meu pai.
- Como se chamava teu avô?
- Javier.
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