Depois de vagar pelo centro da cidade, sob a chuva, pensando em como sentia-se bem daquela forma; parou diante da praça que nunca foi sua preferida, mas que agora parecia ter sido criada para si, a praça enorme estava vazia. Havia apenas um homem, que ela não demorou muito para reconhecer, ele estava recolhendo seus instrumentos, estava quase pronto pra ir embora.
-Tu não toca mais hoje? Perguntou ela sem timidez ou receio algum, apenas com um sorriso sincero nos lábios.
-Acho que não porque?
-Já ouvi falar muito ta tua música, gostaria de também ser tocada por ela. Mas outro dia eu volto. Boa tarde.
Ela seguiu a diante com uma alegria tão serena que era quase inacreditável.
- Espera, se tu quiser, posso tocar pra ti. Disse ele com uma franqueza quase palpável.
-Eu adoraria.
Ele terminou de recolher suas coisas do chão, sentaram-se num banco um pouco mais protegido da chuva e ele começou a tocar e a cantar. Enquanto o ouvia, teve certeza de que seria sempre assim, ainda que o tempo lhe endurecesse e fizesse um pouco amarga, sempre amaria essas pessoas, ainda que desconhecidas, mas que lhe oferecessem algo realmente importante. Ela começou a chorar, o choro mais triste que existe, aquele que são só lagrimas, aquele que diz mais do que qualquer soluço. Ele percebeu, mas não parou, foi até o final, e só quando a musica terminou ele lhe encarou. Houve silêncio, não aquele constrangedor, mas o que demonstra cumplicidade, o que demonstra um afeto sincero.
-Porque estas chorando? Perguntou ele com total certeza que tinha esse direito.
-Por gratidão, por felicidade, por tristeza, pelo sentimento mais bonito que existe.
-Mas que as vezes machuca não?
-Sim, mas estou incrivelmente bem, tua musica é mesmo mágica, e não só porque tu faz isso bem, mas porque tu tem muito a dizer, tu tem muito a ensinar, porque tenho certeza que tu poderia estar engravatado ganhando muito dinheiro, mas tu quer estar aqui.
-"Onde estiver teu tesouro, aí, estará teu coração". É mais ou menos isso.
-Sim, e te admiro sinceramente por fazer isso. Sabe, eu li uma vez, que os mendigos escolhiam ser mendigos, renunciavam a coisas fúteis, se negavam a trabalhar durante uma vida inteira para dar dinheiro aos que governavam com corrupção, não queriam ser regidos por quem nem ao menos importava-se com eles, entre outros motivos que para muitos seriam absurdos. Não entendo e nem concordo plenamente com isso, acho que não se deve generalizar, mas me ajuda a entender uma parte desse mundo estranho.
- Eu entendo, e tens razão, eu poderia sim estar ganhando muito dinheiro, como fiz durante um certo tempo da minha vida, mas com isso não veio nada, veio apenas um poder que eu sinceramente não queria, veio uma liberdade financeira que cortava minhas asas, veio uma tristeza tão grande quanto o monte que se juntava na minha cota bancária. Então resolvi largar tudo, e tinha sim muito a perder, porque se não tivesse, largar tudo não faria sentido. E não é fácil não, pelo contrário, por mais forte que tu acredite ser, tua força, teu amor, tua fé e tudo que tu acredita é testado, e quer saber o que me ajuda a seguir? Momentos como esse.
-Não nos conhecemos, mas estamos falando de coisas difíceis de se falar.
-Exato, isso me mostra o que tu me disse antes, tenho muito para falar e ensinar, mas além disso tenho muito mais para aprender, e sou grato por isso.
Os dois conversaram por mais um bom tempo, sobre tudo que lhes era importante, sem nem ao menos pensar em perguntar se conseguiriam ver-se outro dia. Era aquilo que importava, era isso que eles precisavam, eram duas pessoas estranhas que sentiam-se gratas uma pela outra, e assim seria até um precisar ir embora, assim seria cada vez que eles lembrassem daquela tarde chuvosa.
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