Ainda ouço o cara sentado no chão com o violão no colo, posso dizer que sim, ele tinha uma voz visceral, pura, limpa de qualquer técnica.
Dei-me o direito de sentar em frente a ele no chão, sem preocupar-me com o que seria dito ou pensado por aqueles poucos que paravam para ouvi-lo. Ele não precisou perguntar meu nome e nem eu o dele, não foi necessário dizer absolutamente nada de interessante, ele simplesmente olhou-me nos olhos e sorriu, retribui o sorriso e a franqueza no olhar, a cumplicidade que não precisa de palavras para ser expressa.
Ele continuou tocando e cantando, olhava-me de vez em quando, com a alegria no olhar, aquela, típica de quem fica feliz ao encontrar alguém interessado em sua mensagem, aquela que há tempos eu procurava. E encontrei enquanto ouvia aquele jovem, tão jovem quanto queria ser, tão jovem quanto eu, com a barba escurecendo-lhe o rosto, mal vestido – aos olhos dos outros; e feliz por estar sentado no chão, no centro da cidade, em meio a tantas vidas desimportantes para aqueles que eram nomeados seus donos, em meio a tantos pés e espíritos apressados. Ele estava feliz ali, como se soubesse que a vida de alguém ele iria abençoar com sua arte, como se soubesse que a cada letra proferida por sua boca, a cada som que extraia do violão, a cada centelha de luz que seus olhos criavam, faria o mundo melhor nem que fosse por um segundo, e sabia com a humildade dos que buscam o conhecimento, ao invés de esperar que ele caísse do céu.
Ele parou de tocar, e apenas eu continuei ali, sentada totalmente à vontade, minha saia espalhava-se pelo chão, acredito que meu rosto refletia o que ele sentia; a gratidão, a alegria. Não fiz questão nenhuma de resistir ao impulso de abraçá-lo, e beijá-lo no rosto, ele tampouco. Abraçamo-nos e levantei-me. Ele perguntou se eu voltaria em algum momento, eu disse que não sabia, e se não voltasse a vê-lo, cada vez que passasse por ali, lembraria daqueles minutos, de sua voz e mensagem, ele jamais seria por mim esquecido, pelo contrário, era parte do símbolo de tudo que amo e busco. Nós falávamos a mesma língua, éramos poucos, éramos claros para com os que nos que entendiam. Sim, nós nos veríamos de novo, essa certeza fixou-se em mim.
"Sociedade, sua raça louca.
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