segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dália, dá-me teu espectro?

Te confesso minha vida se quiseres. Te dito os caminhos que já me ouviram. Te digo quão forte já me acreditei para que talvez eu fosse.
Te concedo meu pescoço se quiseres. Minha vontade, minha chama, minha voz e meu suspiro se mereceres.
Te dou minhas páginas escritas e preencho as vazias com a tua cor.
Te rego, te cultivo, te ouço, te vejo.
Faço o que quiseres, sou o que quiseres, sinto o que me deres, mas por favor, eu te imploro, me deixa ser sem paredes ao redor, me deixa ver sem a lentes que carregas, me deixas ouvir sem que seja só o teu cântico. Me concedes teus pedaços, não teu ser por inteiro, tua volta não cabe aqui. 


sábado, 28 de janeiro de 2012

"Vigiai, sede sóbrios."

- O que aprendeste hoje?
- Não quero conversar contigo.
- Nem eu contigo. É meu dever aqui. O que aprendeste hoje?
- Aprendi a esquecer o que não consegui alcançar.
Houve um tapa.
- Quem te conferiu poder para isso?
- Tua fraqueza. Acredite, esse tapa vai doer agora, mas os tapas que tu te permites levar dos passos mal dados vão te tirar o chão. O que aprendeste hoje?
- Eu não sei o que queres ouvir.
- Então diz logo o que aprendeste.
- Aprendi a lavrar a terra.
- E já aplicaste isso?
- Aprendi fazendo. É lógico que apliquei.
Outro tapa.
- Aplicaste?
- Já disse que sim!
- Estúpido. Aplicaste em ti?
- Não.
O idoso sorriu.
- Já tens o que fazer amanhã. Irás plantar tuas sementes sob teu chão, e não jogá-las para o alto já que assim,  muitas se perdem. 

Luz de iô-iô

Alma sebosa é mais barato!

Gritava ele em meio às pessoas apressadas do centro da enorme cidade.
Oferecia seu produto por aí. Gritava sua ocupação, seu talento à procura de alguém que lhe quisesse pagar.
Contava a seus filhos os nomes daqueles que lhe renderam boas fortunas nos século passado. Cantava-lhes a glória de seu emprego.
Mas com pesar, explicava-lhes que hoje, ninguém mais contratava alguém para tirar vidas alheias.
"Hoje, as pessoas são mais cruéis: matam com o tempo, ou melhor, com a falta dele. Elas matam com o desgosto, com a falta de sentimento, de alimento, com a falta de compreensão, com o preconceito a flor da pele. Hoje, meus queridos, o respeito a seu semelhante é piada, o amor para com os seus é clichê. Hoje, com tudo para se ser alegre, feliz e satisfeito, as pessoas matam de tristeza. Elas mesmas fazem o serviço."

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Idílio

[...]

-Não te direi que fico contente. Não tive tempo de ensaiar as falas que me deste. Mas se quiseres me ouvir, te prometo que a sinceridade será nossa anfitriã.
- Eu sinto muito.
- Eu também. Aprendi a apreciar as diferenças que nos embalavam... Sabes que estes precipícios sempre me atraíram, e o que nos separava era ainda mais adorável.   Tinha um eco promissor.
- Não me tortures, por favor.
- Não quero torturar-te. Na verdade incomoda-me declarar-te estas coisas somente ao recuar. Diria em outra ocasião que estou à beira do abismo, mas alguma ironia me impele a dizer o contrário. Tu me deste asas.
- Então estavas nele. Por que não me disseste?
- Eu te gritei. Mas estavas longe demais. Pensei que podias me observar de onde estavas, mas só depois percebi que olhavas para o céu.
- Porque seria mais...
- Conveniente?
- Sabes que não gosto desta palavra, ainda mais dita desta forma.
- Então por que vives aplicando-a em teus dias? 


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Tu que andas pelo mundo sabiá"


[...] 

Nada sabes, mas tudo aprecias.
Não moras, não comes, não choves, não conheces. Mas te basta o chão para batucar teus pesares.
Te basta o ouvido meu para teres o que fazer, o que dizer, o entardecer.
Não te acomodes no tapete que não voa, não te alimentes do alimento que urra.
Não te desgoste o suspiro sem a dama, não te sirva a roupa sem o calor que carregas.
Não te queimes no fogo que buscas. 
Não te pises em cima do outro, não sabes que é  ele .
Não precisas mais do que teus pés pra andar, pra levar, pra doar por aí teu ar. 

"Conta-me teus símbolos que te farei um dos meus.
Dizes por aí que nada queres, mas de mim tomas até o ar.
[Despertas o duelar de meus pés e meu saber.]
Consegues com teus dedos incendiar minha viola, enlouquecer meu sopro."

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Estapafúrdio

Ah, que desespero causa-me o teu silêncio! Me seria muito mais útil ver-te inerte ao chão, sem sentidos e nem aromas.
Negas a esta pobre alma pensante tua cor. Corrompes meus lábios com tuas letras e depois de tanto apaziguar meu espírito te retiras!
Que ser cruel és tu que não me ditas de uma vez por todas um rumo. Vives neste mausoléu, cobiçando e vislumbrando o mais feminil palácio.
Nomeias teus filhos com os nomes dos antigos viajantes. Clamas por justiça perante um trono vazio.
Tocas tua harpa sentado ao sol do meio dia, enquanto me observas queimar ao toque da lua.
Em meio as munaias que se integram à minha volta, tu apareces. Como o mais doce dos anjos, com o mais sincero dos sorrisos. Me concedes tua voz e me enlouqueces sem tua tinta.
Que tu vivas em mim, como minha cor aos poucos se desbota em ti.  

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Eustáquio, tu me arrefeces!"

Teu dever é me implorar um riso.
Uma daquelas gargalhadas que contagia a mais corrompida alma.
Sei que tua vontade é que minha pestana volte a se fechar.
Sei que desejas que o vermelho do meu cabelo não mais desbote.
Mas nada posso fazer.
Quero vida em cada folha antiga, em cada traço que meu pincel gosta de perpetuar.
Quero que meus passos ressoem em teus ouvidos, como teus gritos de frustração ressoaram um dia nos meus.
Quero que digas tua vida por aí, como me ensinaste a fazer.
Quero que teu âmago esteja liquido em tua iris.
 Que entendas a capacidade de dizer o que teus olhos gritam. Que percebas que nada vai mudar até que teus passos tenham vontade própria.
Que desejes pedalar uma nuvem do céu chileno, que desejes cantar ao céu tua crença.
Que te baste o sentir sem o saber, e que tu entendas enfim, que eu te queria em partes, em pequenos pedaços, em espírito. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

"Buscai luz enquanto tendes luz"

Contaram-me a história de dois guerreiros que observavam vencidos o campo de batalha. Foram os únicos que restaram. Fingiram-se de mortos até o exercito adversário ir embora.
- O que tu mais temes? Perguntou o mais jovem.
- Sobreviver.
- Não acredito. Não acredito que tu queiras morrer nesse campo de batalha. Isso não é glória, é o inferno.
- Não disse que queria morrer aqui. Mas em algum momento chegarei em casa. Abraçarei meus filhos, amarei minha mulher, e então dormirei como há dias não dormia. E é um sono sem sonhos, só com sons.
- Os gritos dos soldados que mataste?
- Não, os meus.
[...]

Dizem que os soldados voltaram para sua terra mãe. Viveram muitas outras batalhas juntos, e que o temente a vida, viveu até perder seu medo. Até ir pra uma batalha esperando ansiosamente a hora de voltar pra casa. Viveu até ser morto em um campo de batalha, gritando aos céus sua crença, seu amor. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

"Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos"

- O que queres tanto me dizer?
- Minha vontade de dizer já foi embora. Agora, estou prestes a gritar meu bem.
- Então grita.
- E desde quando ouves os gritos que não são teus.
- Não sejas hipócrita. Te ouvi, te implorei que me ajudasses, que me esclareces as coisas. Me deste as costas.
- Não tenho o dever te de esclarecer nada. Faço o que bem entender. Tenho esse direito.
- E egoísmo agora é direito? Tu não percebes que és cruel?
- Tu gostas que te implorem pra que tu explique quem és?
- Não foi isso que eu fiz. Apenas queria ter um pouco de sabedoria pra lidar contigo.
- Não, tu querias me dominar. Tu tentaste, e quando saí do teu controle, quando te dei um único tapa, permitiste que a histeria te encontrasse. Não sejas hipócrita tu.
- Consegues ser gentil de vez em quando?
- Só quando me permitem. Consegues equilíbrio de vez em quando?
- Pensei que isso viesse de ti.
- Sabes que minhas mãos não querem esse peso. Ele é só teu minha querida. Não sejas tola a ponto de colocar qualquer culpa vã em mim. Não sou responsável por ti, em nenhum pedaço de mim.
- Não sejas tão frio.
- Tenho mais o que fazer, e não preciso de ti como tu não precisas de mim. Posso ir embora agora? Vou ser mais doce quando me soltares.
- Não tem nenhuma corda me volta de ti.
- Tem tua vontade em volta de mim. Me deixa ir de uma vez, não precisas disso, e preciso respirar aliviado.
- Então vai.
- Sabes que vem chuva não?
- Que morras afogado.
- E quem vai juntar teus frangalhos?