domingo, 4 de setembro de 2011

" O poeta de um mundo caduco"


- Com licença, mas achas que isso é arte?
- Não senhor. Acho que isso é a minha arte.
- Estás sendo petulante.
- Discordo do senhor, estou defendendo o que acredito. Aceito que o senhor me diga que não gosta do meu trabalho, que isso não é arte, ou o que quer que seja, mas coloque-se no meu lugar como estou colocando-me no seu.
- Deverias fazer algo mais importante, mais sério. Em algum momento envelhecerás.
- Importante para quem? Para o senhor? Com todo o respeito, mas o senhor é feliz?
- É claro que sou, sou bem sucedido em tudo que escolhi para minha vida.
- Pois eu não sou plenamente feliz. Eu busco isso a cada dia, em cada olhar, em cada passo que dou; em cada lugar que vou e em cada musica que ouço.
- E o que tem a felicidade a ver com isso?
- O senhor sabia que quando uma planta que cresce e cria raízes na terra é posta na água ela sobrevive?
- Não eu não sabia e não vejo nexo.
- Quando ela é posta na água, sua folha fica mai rígida e grossa. Suas raízes um pouco mais escuras e de suas folhas saem pequenas gotas viscosas.
- E então ela morre. Estudas biologia ou algo do tipo?
- Não, ela não morre e não estudo nada do tipo, mas amo plantas, e vou lhe dizer o que acontece com elas. Elas sobrevivem por mais o tempo que for necessário. Se mantém vivas e bonitas. Mas não crescem. Não porque não querem ou por falta de cuidado. Mas porque ali não é o seu lugar. Suas raízes podem manter-se vivas, mas não tem como se fixar. Então elas seguem vivas, abençoando as vidas daqueles que lhes apreciam, mas não vão adiante.
- E se puseres elas de volta na terra?
- De duas uma; ou crescem em demasia, belas e leves, delicadas e vivas, ou então morrem; afinal, ficaram tempo demais na água, e agora esqueceram como se faz para crescer em outro ambiente.
- Falas bem, mas e a prática disso?
- Prático isso com a falsa arte que o senhor desdenhou. Não sei desenhar e nem cantar, não sei tocar bem muitos instrumentos, não tenho pencas de amigos e nem de roupas, não gosto de maquiagem e nem de carne vermelha. Mas amo o que tenho, busco estar por perto do que escolhi, busco honrar aqueles que merecem meu amor e respeito. Busco viver no meu ambiente, não no que querem que eu cresça com folhas grosseiras e sem vida, não onde eu precise chorar para me nutrir.
O senhor deu-lhe as costas, resmungando alguma coisa, mas algumas pessoas que acompanharam a conversa continuaram ali, em silêncio reverente por mais alguns segundos. Então, ela voltou suas mãos sujas de tinta para a pequena tela que tinha em mãos, voltou a tocar a gaita de boca presa em seu pescoço. As pessoas começaram a ir embora, e outras começaram a parar para assisti-la trabalhar. E o mundo continuou girando da mesma forma, mas alguém suas palavras ouviu. 


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