terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ouça-me bem, amor...

Como podes tapar teus ouvidos diante da seriedade das palavras que te são direcionadas?! Como podes dizer que os que mais viveram, mais sabem, não tem o que dizer.  Te julgas tão grande na tua pequena cabeça, te julgas tão belo no teu tão comum uniforme. Senta e ouves! Cerra teus lábios por alguns minutos, deixa que teus ouvidos sejam usados e permita, pelo menos uma vez na tua pequena vida, ser guiado, ser levado pelas mãos que já estão enrugadas pelo tempo, já estão marcadas pela vida. Não digas que seu tempo já se foi, que suas histórias não são para ti, que a vida que eles viveram foi em vão. Algum dia quererás tu que tua vida seja vista como algo desimportante, algum dia quererás que tuas palavras sejam ouvidas com inexpressão? Então, não ouça-os apenas por polidez, mas por amor a tudo que lhes foi permitido conhecer para então, poder te ensinar sem nada esperar.



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Virgem santa e sacana ...


- Tu pareces uma cigana dançando assim.
- E desde quando observas ciganas dançando? Perguntou ela sem parar de dançar.
- Meu avô era cigano, ensinou minha mãe a dançar.
- Porque nunca me disseste isso?
- Não sei, mas agora me lembraste minha mãe dançando. Eu sempre gostei de ver.  A forma como tua saia rodopia em volta de ti, teus pés descalços, teus cabelos soltos, teus ombros a mostra, mas acima de tudo, teus olhos, eles mudam quando tu danças.
- Não sei dançar, mas sinto algo inexplicável quando danço.  
- Nunca me disseste isso. Se eu soubesse tocaria mais vezes.
- Gosto de te ouvir tocar, às vezes sinto o impulso de levantar e sair dançando. Não sei o que me segurava.
- Danças como uma cigana.
- Tocas como se a gaita fosse uma parte de ti. Como se fosse a única coisa do mundo. É mágico.
Ela fechou os olhos e seguiu dançando. Ele tocava, acompanhava o toca-discos e dava vida as coisas a sua volta. De repente ela parou.
- Me conta sobre a historia dos teus avos?
- Minha avó freqüentava uma pequena igreja em frente a praça da cidade onde morava, era extremamente religiosa, mas apenas por insistência de sua mãe, acreditava e temia a Deus, mas tinha pavor de missas. Um dia meu avô estava em frente à igreja conversando com o padre, o que para minha bisavó era algo impossível, era desrespeitoso um representante de Deus conversar com um ladrão, imagine só, um cigano! Ele riu – Mas minha avó sempre teve certa atração pelo oposto do que seguia sem amor. Ficou em silêncio enquanto meu avô terminava a conversa com o padre já um pouco irritado pelos olhares de minha bisavó. Quando resolveu ir embora olhou para minha avó, ficaram alguns segundos se olhando e ele foi embora. Minha avó conta que passou a missa inteira pensando nos olhos daquele cigano.
Quando a missa terminou, foi a ultima a sair, disse que ficaria para fazer mais algumas orações, afinal precisava pedir perdão por seus pensamentos. Ao sair da capela, um menino aproximou-se e entregou-lhe um recado, era de meu avô, pedindo que se encontrassem no pequeno lago que ficava perto da capela. Como o menino que lhe entregou o recado não esperou, ela percebeu que não era um pedido, mas um aviso, ele estaria lá, esperando por ela.
Foi até o lago sem nenhum receio, pela primeira vez na vida faria algo que realmente lhe interessava, realmente queria.  Quando chegou ao lago, meu avô estava sentado no chão, encostado no tronco de uma árvore com o chapéu no rosto. Minha avó aproximou-se e sentou em frente a ele. Com delicadeza tirou o chapéu do rosto moreno e o observou. Ela conta que sentiu como se eles se conhecessem há muito tempo. Como se aquela cena fosse muito familiar. Diz que quando ele abriu os olhos sorriu e simplesmente disse olá. Conversaram a noite inteira, sem nem ao menos tocarem-se. Minha avó recebeu uma surra quando chegou em casa, foi proibida de sair, e toda a noite fugia para encontrar meu avô. Uma semana depois passaram a considerar-se namorados, um mês e meio depois estavam marcando a data do casamento sem o consentimento de seus pais. Minha avó tornou-se uma mulher falada, já que naquela época quando os casamentos aconteciam tão depressa era porque a noiva  estava grávida. Mas minha avó demorou a engravidar, calando então a boca das fofoqueiras da cidade. Depois que uns dois anos de casados minha avó completou vinte anos e meu avô vinte e oito. Foram embora sem que ninguém soubesse. Cavalgaram por dias, apenas carregando comida e algumas roupas. Pararam numa cidade e fizeram alguns amigos, acabaram se instalando lá, minha mãe nasceu alguns anos depois e viveu com os pais até conhecer meu pai.
- Como se chamava teu avô?
- Javier.



sábado, 27 de agosto de 2011

Cara cabeludo

- Por onde começamos querida? Perguntou ele com o sorriso irônico que lhe caracterizava.
- Onde estavas?
- Onde me puseste. Mas não quero conversar, sabe que não gosto de palavras. Elas são teu escudo, e ele me mantém longe.
- E o que queres então, que eu esteja de braços abertos? Disposta a fingir que não passaste esse tempo fora?
- E se eu te disser que não consegui me envolver com ninguém? Absolutamente ninguém. E acredite, eu tentei. Riu ele.
Ela fechou a porta.
Ela abriu a porta.
- Porque és assim, por que não podes ser um cara normal, por que tens que ter esse maldito e nojento sorriso de quem sabe o que quer?
- Com todo respeito meu bem, a culpa não é minha se sentes atração por caras malditos e nojentos como eu.
- Não és assim tão durão quanto te julgas, ou não estarias aqui de novo, já te coloquei pra fora umas vinte vezes.
- Posso entrar?
- Não.
- Não és assim tão inteligente quanto te julgas já me puseste pra fora umas vinte vezes.
- Maldito seja o dia em que te rejeitei!
Ele riu.
- Com certeza, se tivesses me aceito de primeira eu não teria seguido adiante, não teria passado tanto tempo. Posso entrar?
- Já disse que não.
- Ok, então eu vou embora. Não vou ficar se não queres. Não gosto de esmola e nem tu de dar esmola pra quem não merece.
- Boa noite.
Ela fechou a porta.
Ele abriu a porta.
- Não te dei uma chave.
- Peguei da ultima vez, e sabes disso, tens só três. Sendo assim, ficaste me esperando, então presumo que queres que eu fique.
- Agora gostas de esmola?
Ele não respondeu, apenas foi até ela.

"Vou contar pro teu pai que tu namora um cara cabeludo..."

domingo, 21 de agosto de 2011

Ao som dos bandolins...


E então percebes que o mundo continua o mesmo. Não foi ele quem mudou perante as circunstancias. Foste tu. Talvez ainda pareça a mesma fisicamente, talvez ainda goste de dormir de bruços, talvez a mesma música ainda te toque como antes, talvez ainda não goste de pimenta, talvez não aprendeste a gostar de bossa nova... Talvez muitas coisas. Ou talvez nenhuma importante. Mas mudaste pra crescer, te abriste porque foi necessário e agora não adianta mais fingir que os golpes que não esperavas não têm importância, que não te causam dor. Eles também são parte importante, apesar de desagradável. Largar tua bagagem, sentar no chão e chorar por não ser mais a mesma de antes não vai te fazer ir adiante. Não sabes o que fazer? Muito bem, sabias no inicio, quando deste o primeiro passo?
O que quero que entendas é que as coisas não vão mudar sem teu esforço e atos. Tuas lágrimas não vão irrigar nada além de mais tristeza. Tuas palavras sem força não vão chegar a ouvido algum. Defender o que amas sem amor, não vai ser a melhor estratégia. Então, podes continuar aí, sentada abraçando teus joelhos, podes humildemente achar cada detalhe dos teus erros, mas isso não vai te dar forças pra levantar. Te arrependeste? Ótimo, agora olha pra frente, se quiseres podes espiar o que ficou lá atrás. Tens todo o direito de sentir saudade e se perguntar por que não foi como quiseste. Mas se voltares vais ficar estagnada de novo, vais sentar para descansar e vais acabar querendo ficar.
Sabes que é forte pra seguir em frente mais leve e livre. Podes fazer isso. Não vou te dizer para ser forte, sejas inteligente, sensível ao que te é mostrado e grata ao que te é dado. Sejas clara quando quiseres, mas não tão exposta, precisas te defender e isso não é fraqueza, é saber ir adiante. A suavidade é bem vinda as vezes, aceita ela. 


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sauntering

Ainda ouço o cara sentado no chão com o violão no colo, posso dizer que sim, ele tinha uma voz visceral, pura, limpa de qualquer técnica.
Dei-me o direito de sentar em frente a ele no chão, sem preocupar-me com o que seria dito ou pensado por aqueles poucos que paravam para ouvi-lo. Ele não precisou perguntar meu nome e nem eu o dele, não foi necessário dizer absolutamente nada de interessante, ele simplesmente olhou-me nos olhos e sorriu, retribui o sorriso e a franqueza no olhar, a cumplicidade que não precisa de palavras para ser expressa.
Ele continuou tocando e cantando, olhava-me de vez em quando, com a alegria no olhar, aquela, típica de quem fica feliz ao encontrar alguém interessado em sua mensagem, aquela que há tempos eu procurava. E encontrei enquanto ouvia aquele jovem, tão jovem quanto queria ser, tão jovem quanto eu, com a barba escurecendo-lhe o rosto, mal vestido – aos olhos dos outros; e feliz por estar sentado no chão, no centro da cidade, em meio a tantas vidas desimportantes para aqueles que eram nomeados seus donos, em meio a tantos pés e espíritos apressados. Ele estava feliz ali, como se soubesse que a vida de alguém ele iria abençoar com sua arte, como se soubesse que a cada letra proferida por sua boca, a cada som que extraia do violão, a cada centelha de luz que seus olhos criavam, faria o mundo melhor nem que fosse por um segundo, e sabia com a humildade dos que buscam o conhecimento, ao invés de esperar que ele caísse do céu.
Ele parou de tocar, e apenas eu continuei ali, sentada totalmente à vontade, minha saia espalhava-se pelo chão, acredito que meu rosto refletia o que ele sentia; a gratidão, a alegria. Não fiz questão nenhuma de resistir ao impulso de abraçá-lo, e beijá-lo no rosto, ele tampouco. Abraçamo-nos e levantei-me. Ele perguntou se eu voltaria em algum momento, eu disse que não sabia, e se não voltasse a vê-lo, cada vez que passasse por ali, lembraria daqueles minutos, de sua voz e mensagem, ele jamais seria por mim esquecido, pelo contrário, era parte do símbolo de tudo que amo e busco. Nós falávamos a mesma língua, éramos poucos, éramos claros para com os que nos que entendiam. Sim, nós nos veríamos de novo, essa certeza fixou-se em mim.

"Sociedade, sua raça louca.
Espero que não esteja solitária sem mim.
Sociedade, realmente louca."


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom.

Já disse; não volta, poupa a nós mesmos.
Te coloquei pra fora do meu quarto, da minha casa, pra fora de mim. Fui ontem ao sebo, e troquei os livros que me deste, vendi os CDs, joguei longe o abajur e as tuas preciosas garrafas, coloquei azeitona na salada e lembrei da tua careta, ouvi o blues mais puro que conheço e lembrei de ti, vesti aquela roupa que odeias e quis desesperadamente que tu me visses. Não me pergunta o porquê disso querido.
Não faz mais diferença. Fui egoísta mesmo, com um prazer que poucas vezes senti enquanto fazia algo que não era necessariamente o melhor.  Me ensinaste isso, me disseste com teus atos que eu tinha todo direito de jogar tuas coisas fora, assim como fizeste com as minhas, tem apenas uma diferença: as coisas que me pertenciam e que jogaste fora, não são palpáveis, e ainda assim, não deste valor a elas.
Lembrei do dia em que puseste tuas tralhas todas (com certa dificuldade; já que a essa altura não sabíamos mais o que era teu e o que era meu), no fusca e disseste que não voltarias mais, que estava de saco cheio das minhas manias e problemas, não precisava carregá-los, eu que me virasse. Lembra quando foi? Quanto tempo demorou para tirá-las novamente do porta-malas pequeno e voltar gargalhando?
Então, faz bastante tempo, tanto que nem lembro direito quando foi. Só do teu riso enchendo a sala, lembro apenas da música que nos envolvia e aproximava cada vez mais enquanto colocávamos as coisas no lugar, lembro da bandeira branca que foi levantada naquele dia, pra ser baixada no dia seguinte por um CD riscado.
Agora, não me faz querer te esquecer, deixa tuas coisas, ou leva tudo que quiseres, mas sai logo daqui, antes que eu mude de idéia, antes que teus braços me chamem de novo. Sai logo, sai rápido e sem a menor discrição, vê se faz bastante estardalhaço. Não esquece nenhum detalhe da casa, nem de mim, não esquece as histórias e nem os gritos, as coisas quebradas em momentos de raiva ou alegria, não esquece as cores das paredes, não esquece de trocar a agulha do toca-discos antes de sair, não esquece das lágrimas e sorrisos que tomam conta do meu rosto agora. Não esquece de mim, e nem de ir embora.