quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cada lado do delta é uma base.

Estavam ali sentadas, com alguns trabalhos seus, alguns feitos por mãos desconhecidas, e até mesmo as coisas feitas por máquinas tinham vida. Não eram muitas coisas, não se podia viver só daquilo; da venda de antiguidades que apesar de valer muito para elas, eram vendidas por preços um tanto quanto baixos.
As três vagavam pelo centro da cidade dia após dia, até irem para outra cidade em busca de novos materiais, novas vidas dispostas a dar-lhes algo, e muito ganhavam com isso.
Novos e vários olhos cruzavam com os seus todos os dias, alguns lhes diziam algo, alguns demonstravam indiferença, alguns até mesmo pena. Estavam ali, mais por aprendizado do que por necessidade. Amavam poder sentir um orgulho tão pleno pelo que faziam, pelo que ofereciam e recebiam. Todos os dias pessoas lhes mostravam algo, pessoas que nem ao menos lhes conheciam, mas suas expressões em ver três jovens sentadas no chão, com violão, gaita de bota e bongos, vendendo coisas ao invés de "trabalharem de verdade", essas pessoas lhe mostravam o quão felizes eram.
Mas naquela tarde em especial, um homem de idade já avançada foi o professor, foi o ponto central do dia. Ele aproximou-se e observou algumas peças enquanto elas tocavam e cantavam, quando a que tocava gaita de boca parou para atender-lhe, ele perguntou com a humildade já extinta em muitos idosos, por que estavam ali, por que não estavam estudando ou fazendo algo realmente importante, algo que lhes proporcionasse um bom futuro.
- Estamos trabalhando senhor, ganhamos dinheiro tocando, cantando, vendendo essas coisas, ganhamos dinheiro dando aos outros o que amamos. Respondeu a morena com alguns colares e saia indiana escura, contrastando com a pele muito clara, também com a franqueza em seus olhos.
-Perdoem-me se parecer rude, mas vocês são jovens, isso não vai durar para a vida inteira, em algum momento terão que levar as coisas a sério.
-Não precisa desculpar-se, o que o senhor nos diz é importante, e sabemos disso, levamos nossas vidas a sério, algum dia elas irão acabar, mas até lá, podemos seguir amando e vivendo nossos dias, precisamos disso, esse é o nosso futuro e presente, não acredito que exista apenas uma forma de levar a vida a sério. -Foi a vez da morena com longos cabelos castanhos com reflexos dourados graças ao sol alaranjado, e o bongo na mão, responder.
-Entendo isso, mas e as famílias de vocês, os lares, os estudos, o equilíbrio, a estabilidade, onde estas coisas ficam?
-Ficam dentro de nós, ficam em seus lugares de grande importância, vou contar-lhe uma coisa, tenho minha religião, e a sigo com grande amor e fidelidade, tenho minha família e a respeito e amo com todas as minhas forças, já estudei, me formei e na hora que quiser posso largar isso e trabalhar em uma boa empresa, poderia ganhar um bom salário e teria então a certeza que daria para pagar as poucas contas que tenho; busquei meu equilíbrio, minha estabilidade, busquei paz, e só encontrei essas enquanto caminhava, enquanto distribuía o pouco que tinha com aqueles que me olhavam nos olhos e tocavam-me com suas palavras. É mais forte do que eu, do que nós. Respondeu à primeira.
-Entendo, vejo em vocês o que sentia quando era jovem, como se o amanhã fosse chegar depois de muito tempo, como se o hoje não interferisse no futuro, mas quando se chega mais longe, quando o corpo já não acompanha tão bem a mente, é possível, é mais fácil perceber quantos erros se comete quando se pensa assim.
- Entendo o senhor, e sei que cometo muitos erros, não vou dizer que sou grata a eles, mas prefiro errar fazendo o que sei, o que amo, prefiro errar enquanto busco o que me faz bem, seria muito doloroso cicatrizar aquilo que foi feito sem amor, que foi feito apenas por fazer. Disse-lhe a loira com o chapéu castanho escuro contrastando com seus olhos bem desenhados e com a cor do violão que segurava.
-Tudo bem, eu entendo e respeito esse amor de vocês, até porque não cometerão os mesmos erros que eu cometi, admiro sua teoria e a forma como colocam ela em prática. Inclinou-se com certa dificuldade e pegou um castiçal de cobre, observou-o - Quanto custa este?
- Quanto o senhor tem no bolso direito? Perguntou a morena de cabelos longos.
Ele enfiou a mão no bolso, com certa estranheza perante a pergunta, tirou apenas uma nota de cinco reais e mostrou-lhes.
-Custa cinco reais senhor. Disse a loira.
- Mas isso vale bem mais.
A moça da gaita sorriu e com prazer lhe respondeu.
-Vale sim, e é só dinheiro, podemos conseguir durante a semana, mas o que o senhor nos disse não vai ser repetido por mais ninguém. Quer que embrulhe?






"[...] Suponhamos que dois bombeiros entrem em uma floresta para apagar um pequeno incêndio. No final, quando saem e vão para a beira de um riacho, um deles tem o rosto coberto de cinzas, e o outro esta maculadamente limpo. Pergunto: qual dos dois vai lavar o rosto?
-É uma pergunta tola: evidente que será o que esta coberto de cinzas.
-Errado: o que tem o rosto sujo ira olhar para o outro, pensar que esta igual a ele. E vice versa: o que tem o rosto limpo verá que seu companheiro está com fuligem por toda parte, e daí dirá a si mesmo: devo também estar sujo, preciso lavar-me."

Um comentário:

  1. "Estavam ali, mais por aprendizado do que por necessidade, amavam poder sentir um orgulho tão pleno pelo que faziam, pelo que ofereciam e recebiam. Todos os dias pessoas lhes mostravam algo, pessoas que nem ao menos lhes conheciam, mas suas expressões em ver três jovens sentadas no chão, com violão, gaita de bota e bongos, vendendo coisas ao invés de "trabalharem de verdade", essas pessoas lhe mostravam o quão felizes eram."

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